A nossa sociedade tem tendência para considerar patológicos comportamentos que não são socialmente aceites e, consequentemente, tratá-los como se fossem um problema médico suscetível de ser controlado por medicamentos.
Desde 2010 duplicaram em Portugal as vendas de medicamentos indicados para a Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA). Será que isto não nos faz pensar? Será que a hiperactividade aumentou assim tanto entre as nossas crianças?
Se sim, temos de pensar o que levou a isso. É mais fácil para todos quando o problema está na criança. É mais fácil quando arranjamos um nome para algo que não percebemos. Principalmente, é mais fácil quando esse comportamento que ‘incomoda’ corresponde a uma doença e, se essa doença já tem um tratamento e este tratamento é um comprimido, mais fácil se torna. Identificado como problema médico individual, cuja causa estaria apenas na criança, dispensa confortavelmente questionar a família, a escola, os profissionais de saúde e/ou o meio social.
Há, não tenho dúvida, crianças que necessitam de tomar medicação, mas também para essas a medicação ajuda a controlar o comportamento não o modificando. Há, provavelmente, muitas outras que não necessitam e que são medicadas.
Não pondo em causa a Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA) como entidade nosológica, ponho em causa muitos dos diagnósticos realizados e tratamentos recomendados.
Quando é diagnosticada PHDA numa criança e/ou num jovem, tanto este como os seus pais ou cuidadores deveriam ser adequadamente informados sobre que possibilidades de tratamento existem, quer tratamentos psicológicos, quer tratamento farmacológico e possíveis efeitos secundários deste último.
Programas de treino educacional para pais e cuidadores devem ser a primeira linha de tratamento para as crianças.
Quando é decidido o tratamento farmacológico é fundamental que este seja acompanhado por intervenções psicológicas, de modo a ajudar a criança a lidar com diferentes situações de modo mais adequado.
Mas é difícil aceitar que a Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA), cuja prevalência estimada se situa entre os 3 e 4%, resulte num volume gigantesco de vendas de medicamentos para PHDA prescritos a crianças até aos 14 anos.
Com base no conhecimento que dispomos e nos dados que existem, é portanto forçoso concluir que são hoje prescritos medicamentos que podem ter impacto negativo no desenvolvimento das nossas crianças e jovens, nomeadamente a nível psicológico.
Os psicólogos podem e devem colaborar no estabelecimento de medidas preventivas face ao surgimento dos problemas que muitas vezes redundam na medicação de crianças e jovens sem diagnóstico de PHDA e apenas com perturbações do comportamento que resultam normalmente de situações relacionais e de contexto (nomeadamente o “mau comportamento”, a irrequietude, o não respeito de regras, a falta de concentração, a falta de motivação).
A Ordem dos Psicólogos Portugueses não pode deixar de manifestar a sua apreensão com este sério problema que afeta a vida de crianças e famílias.
Deixo a questão: Será que o problema estará mesmo nas crianças?…
Vice-Presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses