No passado dia 29 de Janeiro, teve lugar em Riga uma reunião dos ministros da administração interna dos Estados-Membros da União Europeia, com o combate ao terrorismo como tema de discussão. Apesar de as medidas consensualizadas carecerem ainda de discussão e aprovação no Conselho Europeu, serão já um prelúdio do que será expectável na resposta europeia nesta matéria. Do elenco de propostas, constam medidas preventivas da radicalização, melhorias do sistema de partilha de informação de Schengen, identificação de rotas aéreas utilizadas por terroristas, introdução de um registo de informação de passageiros de aviação bem como o combate ao porte de armas proibidas em cada Estado-Membro. Estas assumem uma índole mais preventiva do que repressiva, o que nem sempre é um equilíbrio fácil de alcançar quando existe vontade política de acalmar os anseios do público. De saudar também a aparente ausência de uma possível alteração do acordo Schengen no sentido de reintroduzir as fronteiras internas, talvez o aspecto mais relevante a reter.

De acordo com o comunicado emitido no final do encontro, deverá ser delineado um plano ao nível europeu que seja posteriormente posto em prática por cada Estado. Assim, o que se pretende não será a existência de um plano verdadeiramente europeu, de índole federal, mas um conjunto de medidas coordenadas pelos Estados-Membros, numa lógica inter-governamental. Numa matéria que se pauta por evidente transversalidade, os Estados-Membros ignoraram os méritos de uma resposta uniforme, à semelhança do que vêm fazendo desde o início da crise financeira. De facto, na União Europeia o romantismo associado à figura dos “Estados-Nação” e à “soberania” dos mesmos é cada vez mais inadequado no presente e tornar-se-á obsoleto no futuro, sendo o caso do combate ao terrorismo talvez o seu exemplo mais flagrante.

Mas a questão incidental da luta contra o terrorismo faz emergir uma outra, de natureza filosófica: até que ponto o valor da liberdade deve ser limitado pelo valor da segurança? Será que um deve prevalecer sobre o outro, na sequência de situações de tensão? Ou, pelo contrário, deverá ser alcançado um equilíbrio permanente entre ambos?

O valor da liberdade coloca o enfoque no indivíduo e no respeito pelos seus direitos fundamentais. Tipicamente, os liberais desconfiam do papel do Estado na sociedade porque o mesmo não garante, com regularidade, níveis de eficiência e eficácia desejáveis na provisão de bens e serviços. Muitas vezes, produz efeitos indesejáveis com a sua intervenção na sociedade, causando distorções nos mercados ou violações nos direitos mais básicos da população, como o direito à reserva da vida privada. É precisamente com este enquadramento que as restrições à liberdade individual, em prol do reforço da sensação de segurança, devem ser analisadas.

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Efectivamente, em Portugal está enraizada a mentalidade de que, quando algo de negativo ocorre no quotidiano da sociedade, a razão subjacente para tal infortúnio encontrar-se-á, invariavelmente, num défice de intervenção pública. Sucede assim com as recentes dificuldades no acesso aos serviços de urgências hospitalares; com o colapso do Banco Espírito Santo; na proclamada degradação do ensino básico e secundário públicos ou com os problemas operacionais que ocorrem actualmente na TAP. Em todos estes casos existem corporações que, arrogando-se da defesa do interesse nacional enquanto valor uno e indivisível, clamam por maior intervenção estatal. O mesmo sucede com a questão do terrorismo e segurança.

De facto, quando sucedem ataques terroristas é de imediato colocada em causa a liberdade das pessoas, nomeadamente a liberdade de circularem na União Europeia sem barreiras físicas, como se de um único país se tratasse. No entanto, não é possível ignorar que existem limites para a intervenção do Estado, o qual não pode (e não deve) estar presente em todos os sectores de actividade. Ao esquecermos este aspecto, a intervenção pública perde eficácia precisamente nos sectores onde deve ter presença mais robusta, como são os casos do enforcement do ordenamento jurídico vigente, da manutenção da segurança dos cidadãos e da ordem pública.

Nos Estados Unidos da América, a adopção do Patriot Act foi a forma encontrada para lidar com esta questão. Este diploma permite, designadamente, que os serviços de segurança deste país interceptem ligações telefónicas e mensagens de correio eletrónico de organizações e pessoas eventualmente envolvidas com o terrorismo, sem ser necessário obter autorização judicial para o efeito. Contudo, esta deverá ser a barreira que a União Europeia não deverá ultrapassar. Se é certo que uma das principais funções públicas é a de acarinhar o valor da segurança e que este limita a liberdade individual de forma inversamente proporcional, é preciso garantir que não exista arbitrariedade nas investigações nem motivações de oportunidade política (introduzindo, por exemplo, mecanismos de controlo judicial prévio), ao mesmo tempo que se garanta o máximo de transparência possível por parte de quem conduz os processos. Só desta forma poderemos atingir o necessário equilíbrio entre dois valores conflituantes, embora estruturantes, da vida em sociedade.

Jurista, mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra