Na crónica da semana passada, escrevi sobre a possibilidade de Lisboa ser estragada pelo turismo. Normalmente, não faço crónicas com continuação, mas neste caso, quero desenvolver o tema, ou antes, soletrar precisamente o que penso.

Sou absolutamente pró-turismo, e a favor de novos hotéis, novos restaurantes, novas lojas, novos transportes. Sou absolutamente a favor de todos os novos empregos e novas oportunidades que o turismo criou. Ponto final. Como Paulo Ferreira escreveu na semana passada, uma Baixa cheia de turistas é preferível a uma Baixa cheia de lojas moribundas e prédios a cair. Com isso, claro, concordo. O controle das rendas destruiu a Baixa ao longo dos anos. O turismo está a reabilitá-la. A Baixa de Lisboa está a ser recuperada porque os seus edifícios podem agora ser hotéis ou empórios de pastéis de bacalhau com natas.

Mas não sou a favor da maneira como tanta gente recusa ver “the big picture”. A maneira como a cidade está a ceder a esta invasão de multidões de turistas é perigosa e pode realmente levar a bolha a rebentar mais rapidamente. Porque Lisboa, ao desenvolver-se deste modo, deixará de ser a cidade que despertou o interesse dos jornalistas especializados em viagens quando eles a “descobriram”.

Lisboa é atraente porquê? Porque é bonita, claro. Mas também porque tem, por enquanto, coisas ainda não “descobertas”. Porque está bastante decadente. Porque é altamente “instagramável”. Porque, finalmente, é um sítio amigável, porque há muito para comer, porque é barata, porque é relativamente pequena e porque, nos seus elementos básicos, pode ser vista em 2 ou 3 dias.

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Mas Lisboa – e desculpem-me ter de dizer isto –, não é Roma, não é Paris, não é Londres, nem sequer é Barcelona. Logo que se tenha Disney-Sardinificado um pouco mais, é provável que não reste muita coisa do seu charme romântico ou “instagramável”. Lisboa, para além desse charme, não tem a oferta cultural necessária para assegurar que os turistas continuem a voltar depois da primeira visita. O turista é um animal muito seletivo e esquisito, e para manter o seu interesse, uma cidade tem de ter tudo, ou, falhando isso, pelo menos uma cadeia de hotéis de 5 estrelas perto de uma praia com sol e calor garantidos durante oito meses do ano.

Assim, é inevitável que este boom turístico acabe um dia. Vai acabar. Daqui a 5 anos ou daqui a 20, vai acabar… e depois? O que será quando os jornalistas de viagens já tiverem explorado a última fissura do muro? Nessa altura, já terão descoberto o próximo sítio da moda, e o turismo em Lisboa há-de rebentar de repente como uma bolha de sabão ou então esvaziar-se lentamente como um balão, para utilizar a outra metáfora que é costume relacionar com os “booms”. Esperemos que seja como o balão.

Como qualquer boom (porque é que nunca aprendemos?), este boom turístico é oco. Se Lisboa não se concentrar em outras actividades para além do turismo, o que restará de Lisboa quando os turistas a tiverem abandonado?

O que será dos edifícios preciosos já salvos? Posso-vos garantir que não voltarão para nós, os simples mortais. As grandes corporações não estão a salvar esses edifícios para nós. É muito pouco provável que consigamos sacar um apartamentozinho na Baixa, no Bairro Alto, em Santa Catarina, ou no Intendente. Se o presidente da câmara de Lisboa conseguir alojar pessoas em casas “low-cost” no centro, não será nesses edifícios reabilitados. Estes cairão nas mãos dos compradores mais endinheirados, provavelmente corporações chinesas, e a Baixa pode morrer mais uma vez.

Não se esqueçam: por enquanto, esta é uma economia de mercado. Não há nenhuma lei que nos obrigue a subjugar-nos aos gostos do turista e a esquecermos os residentes de Lisboa. A única coisa em que as autoridades falharem foi em orientarem o processo.

Não, eu não estou a ser snob. Não quero Lisboa só para os meus amigos ingleses multimilionários (por acaso, não tenho nenhum amigo inglês multimilionário … ai, os preconceitos). Nada tenho contra uma cidade cheia, vibrante e próspera.

Só que essa cidade tem de ser vibrante e próspera com actividades para além do turismo.

(traduzido do original inglês pela autora)

Lisbon, don’t sell your soul

In last week’s crónica, I wrote that I am worried about Lisbon being ruined by tourism. I don’t usually follow up one crónica with another, but I feel I should expand a little on why I think that, or rather, spell it out more precisely.

I am all for tourism, new businesses, new hotels, new eating establishments, new shopping, new transport. I am all for the new jobs and opportunities all those things create. Full stop. As Paulo Ferreira discussed, last week, a Baixa full of tourists is preferable to one of moribund shops and empty buildings, with which, of course, I agree. Rent control decimated the Baixa over the years. Tourism is bringing it back to life. Lisbon IS being saved because buildings are being rescued so they can be hotels and pastel de bacalhau com nata emporiums.

However, I am not all for the way so very many people are refusing to see the bigger picture. The way the city is caving in to onslaught of tourists is dangerous and might well cause this tourism bubble to burst faster than it inevitably was going to anyway, because Lisbon won’t be what it was when the travel journalists “discovered” it.

Lisbon is attractive, why? Because it is beautiful. Because it has plenty of “undiscovered” bits, for now. Because it is falling to pieces in places. Because it is highly instagrammable. Because it is now a friendly place full of smiley people, because there is plenty to eat, because it is cheap, because it is relatively small and one can acquaint oneself with the basics of Lisbon in two or three days.

Sorry to be the one to tell you this, but Lisbon has to understand that it is not Rome, nor Paris, nor London, nor even Barcelona. Once it has Disney-Sardinified itself too far, there may not be enough of its old romantic and/or instagrammable charm left. It does not have the vast wealth of history and culture on its side that will keep people coming back. The tourist is a fickle beast, and to sustain their interest eternally, a city has to offer everything, but EVERYTHING, or failing that, a string of five star hotels on a pristine beach with guaranteed weather for 8 months of the year.

So, inevitably, this boom will end. It will. Whether it is in 5 years or 20, it will end, and then what? What when the travel journalists have mined every last crack in the wall? They will have found their new spot in the world to capitalise upon and tourism will burst like a bubble or slowly deflate like the other boom-related metaphor, the balloon. Let’s us hope it is the latter.

Like any boom (why do we never learn?) this one is hollow. If Lisbon doesn’t concentrate on other activities that are desirable to both Portugal and the World, what will be left of Lisbon once the majority of tourists leave, one day?

What of the precious buildings that will have survived? I can guarantee to you that they won’t be for we mortals. The big corporations are not saving the buildings for our benefit. You are unlikely to get your hands on a nice little flat in the Baixa, nor Bairro Alto, nor Santa Catarina, nor Intendente. If the mayor of Lisbon does manage to house people cheaply in the city centre, it won’t be in these newly recuperated buildings. They will be left to the highest bidder, probably Chinese corporations, and the Baixa might well die another death.

Guess what: This is a free market economy (for now). No government mandate has ordered anyone to pander to tourists nor to forget the residents of Lisbon. The only thing any authorities have done is fail to direct the process.

So, no, I am not a snob. I am not trying to keep Lisbon just for my posh rich English friends (I don’t have any, by the way… oh preconceptions). I am not against the city being full and thriving.

It just has to find a way of being full and thriving with other things as well as tourism.