Menos de um ano depois de os líderes mundiais terem adoptado uma nova agenda global, assente na promessa de não deixar ninguém para trás, no seu relatório anual de referência Situação Mundial da Infância 2016, que acaba de ser lançado, a UNICEF vem relembrar a importância da igualdade de oportunidades para a sua concretização nos próximos 15 anos.

Em todo o mundo, milhões de crianças continuam a não ter acesso a bens e serviços fundamentais para que possam crescer com saúde e desenvolver-se. Antes mesmo de respirarem pela primeira vez, as oportunidades de vida das crianças pobres e excluídas são frequentemente moldadas por desigualdades. A desvantagem e a discriminação relativamente às suas comunidades e famílias contribuem para determinar se vivem ou se morrem, se terão a oportunidade de estudar e, mais tarde, de terem uma vida digna. Conflitos, crises e desastres relacionados com o clima agravam as suas privações e diminuem o seu potencial.

O mundo fez imensos progressos na redução das mortes na infância, na inserção de crianças na escola e no combate à pobreza. Muitas das intervenções que que estão por trás destes progressos – como as vacinas, os sais de reidratação oral e a melhoria da nutrição – têm sido práticas eficazes e de baixo custo. A expansão das tecnologias digitais e móveis, entre outras inovações, tornou mais fácil e menos dispendioso fornecer serviços essenciais em comunidades de difícil acesso e expandir as oportunidades para as crianças e famílias em grande risco.

As dificuldades para chegar até essas crianças, na sua grande maioria não são de ordem técnica. São uma questão de empenho político, de recursos, e de vontade colectiva – de juntar forças para enfrentar as barreiras da iniquidade e da desigualdade de modo frontal, centrando esforços e mais investimento para abranger as crianças que têm sido deixadas para trás.

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Não dar uma atenção especial a estas crianças irá alimentar ciclos de desvantagem intergeracionais pondo em risco o seu futuro, o futuro das suas sociedades e do mundo. Mas, como insiste a UNICEF, não tem de ser assim. Há uma escolha a fazer: investir de modo a acelerar os progressos para as crianças que estão a ficar para trás, ou enfrentar as consequências de um mundo ainda mais dividido e desigual em 2030.

São consequências extremamente perturbadoras – em 2030, a manterem-se as tendências actuais, 69 milhões de crianças menores de cinco anos terão morrido de causas maioritariamente evitáveis, 167 milhões continuarão a viver na pobreza extrema, e mais de 60 milhões de crianças em idade escolar primária estarão fora da escola.

Mas, como sabemos, as disparidades não existem apenas em países ou regiões em desenvolvimento. Estudos recentes, mostram a escala e o modo como as desigualdades de oportunidades estão a afectar o bem-estar e desenvolvimento das crianças em países mais ricos.

Em Portugal, que continua entre os países com taxas de mortalidade infantil e de menores de cinco anos das mais baixas do mundo, graças a uma escolha política sustentada ao longo das últimas décadas, a percentagem de 25,6 por cento de crianças em risco de pobreza, 4,5 pontos percentuais acima da média europeia, é um dado preocupante pelo que representa para as crianças de hoje e para o seu futuro e o da sociedade.

Quando há equidade, todos ganham. Ainda que todas as crianças devam progredir, mais e melhor investimento naquelas que iniciam a vida em ambientes mais desfavorecidos é a melhor maneira de proporcionar a todas uma oportunidade para alcançarem o mesmo patamar. Um estudo da UNICEF de 2010 mostrou que uma abordagem centrada na igualdade de oportunidades pode acelerar os progressos relativamente aos objectivos globais em matéria de saúde, e que esta pode também ser economicamente viável em países de baixo rendimento com taxas de mortalidade elevadas.

Como demonstra o relatório da UNICEF, há medidas possíveis para que todas as crianças, mesmo as que nascem em contextos mais complexos, recebam os cuidados e a educação de que precisam para sobreviver prosperar.

Quando ajudamos um rapaz a ter acesso aos medicamentos e à nutrição de que precisa para crescer saudável e forte, não estamos apenas a aumentar as suas oportunidades na vida, mas também reduzir os custos económicos e sociais associados a uma saúde precária e baixa produtividade.

Quando educamos uma rapariga, não estamos a dar-lhe apenas ferramentas e conhecimento para tomar as suas próprias decisões e moldar seu próprio futuro, estamos também a contribuir para elevar o padrão de vida da sua família e da sua comunidade.

Quando proporcionamos educação, abrigo e protecção a crianças atingidas por conflitos, ajudamos a sarar feridas e traumas psicológicos – para que um dia tenham capacidade e desejo de ajudar a reconstruir os seus países.

Importa referir que o caminho para a equidade não é apenas uma questão de gastos. Trata-se de por em prática abordagens inovadoras para problemas antigos e de usar as novas tecnologias para ajudar a levar recursos até aos que mais precisam. E também de envolver os membros da comunidade e as famílias, porque são os que estão mais próximo das crianças que pode ter o maior impacte

Uma das lições mais importantes dos últimos 15 anos é que as abordagens centradas em progressos globais não eliminam as disparidades que colocam as crianças mais pobres em maior risco. Dentro de poucos meses, a comunidade internacional irá assinalar o primeiro aniversário do acordo sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, assinado por mais de 200 líderes mundiais, que visa concretizar avanços significativos em matéria de saúde, educação, redução da pobreza, e de sustentabilidade até 2030.

Enquanto governos em todo o mundo – incluindo o Governo português – ponderam ainda sobre qual a melhor forma de concretizar os seus compromissos relativamente aos objectivos, é crucial que adoptem uma abordagem assente na igualdade de oportunidades.

A igualdade de oportunidades ganhou um novo sentido de urgência. As alterações climáticas estão a exacerbar os riscos para as crianças mais desfavorecidas: ao nível global, mais de 500 milhões de crianças vivem em zonas onde a ocorrência de cheias é extremamente elevada, e perto de 160 milhões em regiões afectadas por secas de enorme gravidade. Ao mesmo tempo, os conflitos regionais e a violência, e a actual crise de refugiados estão a deixar cada vez mais crianças em perigo e a privá-las daquilo de que precisam para prosperar.

Mais do que nunca, devemos reconhecer que o desenvolvimento só é sustentável se puder ser levado por diante – sustentado – pelas gerações futuras. Temos a oportunidade de substituir círculos viciosos por círculos virtuosos, nos quais as crianças que vivem na pobreza – se tiverem uma oportunidade justa em matéria de saúde, educação e protecção – possam, quando chegarem à idade adulta, competir, num nível de igualdade mais equilibrado, com crianças provenientes de contextos mais ricos, melhorando assim a sua própria vida e tornado as suas sociedades mais ricas, em todos os sentidos da palavra.

Madalena Marçal Grilo é Diretora Executiva da UNICEF Portugal