Durante anos, quase só o Presidente da República falou de compromissos. Fê-lo novamente no domingo passado. Desta vez, porém, o acolhimento foi menos ácido. Subitamente, a mesma gente que só via causas de polarização e guerra civil parece disposta a descobrir razões de conciliação e diálogo. Devemos desconfiar? Certamente.
Nos últimos tempos, a oligarquia política pouco mais tem feito do que cultivar abismos ideológicos, rancores clubísticos e incompatibilidades pessoais. Dia sim, dia não, as oposições “rompiam” com o governo. Não havia quem não andasse agarrado a princípios que não admitiam concessões. No fundo, a conflitualidade deu um grande jeito: serviu à oligarquia para adiar ou inviabilizar mudanças. A lista oficial das “reformas” por fazer prova que a discórdia resultou muito bem.
Para os bem intencionados, o compromisso passou naturalmente a simbolizar o contrário desta política de desistência e sabotagem: se eles se entendessem, enfrentaríamos os “grandes problemas”; se houvesse consenso, teríamos “reformas”. Ora, a ilusão é pensar que, com esta oligarquia política, os motivos e resultados do compromisso seriam necessariamente diferentes dos motivos e resultados da litigância.
É que tal como há bancos bons e bancos maus, também há compromissos bons e compromissos maus. Bom seria um acordo entre os partidos que definisse as funções do Estado no perímetro do que é sustentável, e concentrasse a força política necessária para resistir aos interesses de toda a espécie – sindicais, corporativos, empresariais, etc. — que capturaram o Estado e impedem qualquer ajustamento que vá além do imposto e do corte temporário.
Mas há outra opção: um arranjo entre os oligarcas para conservar tudo como está. O seu programa seria simples: não aumentariam as pensões, mas também não baixariam os impostos. Deixariam ao Estado o peso adquirido, de modo a não incomodar os instalados. Quanto ao mais, contariam com os fundos do QREN e o efeito de arrasto de algum crescimento económico europeu.
Infelizmente, este segundo tipo de consenso é muito mais provável. Para lá chegar, não seriam precisos os grandes debates das “reformas”: bastariam cumplicidades pessoais e convergências de interesses. Tudo se passaria no recato dos bastidores, que é onde a oligarquia está à vontade. Teria o apoio dos grupos de interesse organizados, que são quem fala na televisão e se manifesta na rua. O seu resultado seria a estagnação, mas poderiam chamar-lhe “acalmação”. A dúvida, no tempo da troika, foi: mas é isto possível? É, desde que a UE, embora com condições, restabeleceu de facto, através do BCE, a circulação de capitais entre o norte e o sul da Europa. O dinheiro não há, mas anda por aí.
Não é difícil imaginar a configuração partidária que poderia protagonizar este grande contrato de estagnação nacional: um PS sem as arestas socráticas, para agrado da direita; um PSD regressado à “social democracia”, para conforto da esquerda; umas relíquias do defunto BE, para conceder a bênção do “intelectual de esquerda” a quem precisar; e um católico socialista na Presidência da República, para consolo ecuménico de crentes, ateus e agnósticos. Extinto o conflito, poderíamos ficar consensualmente prostrados na praia, à espera que a Alemanha e a França enviassem algum barco salvador.
É verdade que, como lembrou Ricardo Reis esta semana, um agravamento dos juros da dívida, na sequência de uma qualquer reviravolta mundial, impor-nos-ia imediatamente um segundo resgate. Mas isso é ideia de pessimistas. O compromisso dos interesses é só para os optimistas.