A cartilha reza mais ou menos assim: um islâmico mata? Há que contextualizar com toda as aleivosias militares americanas no Médio Oriente; no fundo é apenas uma vítima com impulsos irresistíveis criados pela ingerência dos demoníacos ocidentais. Um europeu não mata vivalma mas publicamente indicia reservas sobre o amor dos islâmicos, sei lá, à democracia secular? Vamos verter infindáveis insultos sobre esse indivíduo maléfico e xenófobo, fazer campanhas nas redes sociais contra ele, tentar contactar os seus empregadores a ver se lhe conseguimos dar cabo do posto de trabalho.
Vociferar contra um cardeal no Vaticano? Fica-se ídolo de todos os jovens que vão ao acampamento de verão do BE para dançar noite fora ao som de multimilionários que odeiam o capitalismo, bem como estudar Marx todos os dias. (Juro. Não estou a inventar o estudo diário de Marx.) Mas respeitinho com o Islão. Vejamos.
Ayan Hirsi Ali, mulher vítima do Islão – foi sexualmente mutilada, teve de sair da Holanda por ameaças à sua vida – é atacada pela matilha que todos os dias usa t-shirts rezando ‘I Tolerance’. Richard Dawkins, cientista ateu, há poucos dias viu ser-lhe cancelada uma conferência porque os organizadores se sentiam demasiado atormentados com os seus tuits críticos do Islão, incluindo os alusivos aos inexistentes direitos humanos das mulheres nesta simpática seita.
A malta contra a xenofobia gosta muito de diversidade e misturas – mas de raças, que diversidade de opiniões deixa-a com surtos de icterícia. Os xenófobos racistas nem precisam de ser xenófobos e racistas, na verdade, precisam apenas de dizer verdades como ‘o sistema de castas indiano potencia as violações das mulheres intocáveis, e isso revolve-me as entranhas’. Qualquer pessoa não racista sabe que as entranhas só se revolvem com o ocidente – esse sim, pavoroso. E isto conduz-me a outra característica divertida (é como quem diz) da malta boa que não gosta de racistas (entre aspas): o machismo militante.
Amam tanto certas comunidades que os xenófobos (essa gente que é uma maçada ser ilegal exterminá-los) criticam, odeiam tão ardentemente aquelas pessoas (ah, a falta que fazem os pelotões de fuzilamento) que declaram uma reserva ou outra sobre comunidades com costumes bárbaros, que não lhes sobra emoção nem razão para o que se passa com as mulheres dessas comunidades. As mulheres que continuem oprimidas – também já estão habituadas – que é mais importante a gritaria contra a xenofobia (aspas) que contarmos uma tareia aqui ou uma ameaça se não usar burka ali. Credo, poderiam vir dar razão à malta racista-capitalista-colonialista-leitora-do-peralvilho-do-Houellebecq.
Há uns tantos anos era comum encontrarmos nas livrarias livros autobiográficos de mulheres que embateram na opressão islâmica. Meu Amo e Senhor, de Tehmina Durrani. Os livros de Jean Sasson. O famosíssimo Not Without My Daughter, de Betty Mahmoody. Um quilométrico etc. Violência doméstica, sequestro por maridos ou pais, insultos constantes, escravidão sexual, exílio social quando furavam as convenções. Eram sobretudo livros de mulheres de classe alta, que depois de resolvidas as suas provações tinham os recursos para escrever, ou contar a alguém que escrevesse, as suas histórias e encontrar forma de as publicar.
Mas nem esta abundante literatura convenceu a malta machista do multiculturalismo. Raios, que com tantas mulheres, da elite social e económica, a lamuriarem-se nem se pode culpar o machismo islâmico com a pobreza gerada pelo capitalismo e pelo neoliberalismo. Donde, não interessa nada.
Vimos o mesmo em Portugal nos últimos dias. Houve escândalo porque alguém ousou criticar as comunidades ciganas. Políticos excitáveis falaram em ‘discurso de ódio’ e ‘racismo’ – claro. Sem querer medir o mérito das palavras do candidato a Loures do PSD, apreciei muito a defesa acérrima de tanta gente, com tantos pruridos antirracistas, de uma comunidade onde tantas vezes as mulheres são tratadas de forma atroz.
O abandono escolar precoce das raparigas ciganas é muito superior ao dos rapazes e fica geralmente pelo fim do primeiro ciclo. Quando casam, são sujeitas a um teste de virgindade e o hímen é-lhes quebrado por mulheres mais velhas. (Na Indonésia muçulmana também há um grande gosto pelos testes de virgindade. Grandes cabeças pensam igual.) As viúvas não podem casar e têm de se submeter à vontade dos filhos. A violência sobre as mulheres é comum. Qualquer atividade sexual fora do casamento de uma cigana é pesadamente punida pela família e comunidade. As raparigas casam mal entram na adolescência, por imposição familiar, e quando chegam aos vinte anos já têm três ou quatro filhos. Qualquer tentativa de fazer vida fora da comunidade cigana é malvista e castigada.
Lamento, mas quem não tempera as suas observações sobre a comunidade cigana com estas realidades deploráveis é colaboracionista do machismo, por muito que se mascare de apenas escandalizado com a xenofobia.
Os histéricos, que gritam xenofobia perante a mais leve crítica (justificada) a certas comunidades onde os maus tratos a mulheres são inerentes à cultura que tanto defendem, fizeram a sua escolha: apoiar a opressão de mulheres. Merecem o desprezo de gente de bem. Como é ilegal aplicar-lhes umas doses de tortura com o feitiço Crucio (e ainda não sei usar a varinha mágica que o Pottermore me atribuiu), desejamos-lhes, pelo menos, e se tiverem consciência, pesadelos à noite.