A economia é um sistema pouco intuitivo para um ser humano. Nós estamos habituados a observar mecanismos que estão envolvidos por um espaço ambiente que interage com esses mecanismos. Um carro evoluiu no espaço tridimensional que vemos da janela e sabemos descrever o seu movimento nesse espaço porque sabemos, também, descrever esse espaço (pelo menos nas escalas que observamos da janela). Em que espaço evolui um objeto económico?
Não, não é no mesmo espaço onde anda o carro. A economia é feita de trocas e só as trocas representam o espaço económico, onde os objetos se movimentam. O espaço económico é uma coisa complexa que evolui numa rede. Eu faço trocas consigo, que faz com o supermercado, que faz com o agricultor, que faz com… Os objetos que identificamos são os nós da rede, as trocas são as ligações entre os nós. O espaço económico é este emaranhado de ligações e nós, e não existe mais nada senão isso. O espaço físico à volta é irrelevante.
Portanto, tudo o que fazemos na economia traduz-se com um impacto neste emaranhado. Teoricamente, se deixarmos a rede evoluir livremente atingimos uma espécie de equilíbrio que se traduz naquilo que estamos habituados a ler nas notícias sobre distribuição de riqueza. Que há, por exemplo, 5% de pessoas com 95% da riqueza. Isto é o reflexo dessa evolução e acontece porque eu faço trocas consigo, que faz com o supermercado, que faz com o agricultor, que faz com… E se mexo num ponto desta sequência, vou afetar todas as sequências encadeadas e o sistema mexe todo.
Esta reflexão pretende introduzir um comentário a uma pretensão do primeiro-ministro que reclama ter defendido o orçamento das famílias com a medida que levou a cabo no início do ano. Só se foi da família dele, porque da minha não foi de certeza. E peço a quem lê estas linhas que as entenda à luz daquilo que foi descrito nos parágrafos anteriores.
Eu vou à rede económica e retiro dos nós todos (pessoas) uma percentagem da riqueza para distribuir por outros nós. Com isso vou quebrar ligações e vou tornar todos os nós mais pobres, dos mais ricos aos mais pobres. Porquê? Porque os mais pobres fazem trocas com os mais ricos para a pouca riqueza que têm. Quem dá emprego aos pobres são os ricos, por exemplo. Se sirvo cafés, sirvo mais cafés aos ricos que aos pobres. A seguir vou redistribuir: vou a alguns nós e acrescento-lhes riqueza, o que significa que esses nós escolhidos vão fazer trocas com outros nós da rede. Com os que têm menos ligações, isto é, com os mais pobres? Não! Aquilo que vai acontecer com quem receber esse adicional de riqueza é que vai fazer trocas com quem tem alguma coisa para trocar, ou seja, os ricos. Estes recuperam a riqueza que lhes foi retirada, os pobres não. Se deixássemos agora a economia evoluir livremente, ela retornaria àquela espécie de equilíbrio. Mas como vamos insistir na redistribuição errada, vamos voltar a tirar dos mais pobres para serem mais pobres.
O estado social só é eficiente se o dinheiro dos impostos for usado em favor dos mais desfavorecidos. Sim, isso continuará a fazer dos ricos mais ricos, mas dos pobres mais ricos, também. Porque quando disse acima “teoricamente”, tinha em mente que não haveria pessoas atiradas para fora da economia, que não teriam que matar para comer, que não precisariam de pedir para pagar o médico, que seriam pessoas economicamente válidas, o que significa que saberiam mais e mais. Portanto, para ser claro, o estado social é fundamental se, e só se, for “social” de facto.
Se um extraterrestre visse o espaço económico dentro do perímetro de Portugal, julgaria que os mais pobres dos pobres são funcionários públicos, maquinistas de metro, motoristas da Carris, professores em geral, taxistas e todo o tipo de sujeito que consegue falar mais alto que os outros. E não há como negá-lo! Dos 400 milhões de euros de custos do estado adicionais que foram decididos logo no início desta legislatura, 9 milhões foram para pensionistas com pensões inferiores ao salário mínimo, sendo os restantes 391 milhões para devolver rendimento aos funcionários públicos.
A minha família foi prejudicada, porque não tem funcionários públicos. E foi prejudicada em favor das famílias com funcionários públicos porque a nossa contribuição para o bem comum não foi usada nos mais pobres, foi usada para atirar os mais pobres para serem mais pobres. E tivemos, com isso, uma perda económica real.
Pode-se, claro, achar que foi a nossa escolha enquanto eleitores, mas tal não é verdade. Na verdade, o voto é algo cada vez mais irrelevante face a outros interesses. Senão vejamos, passamos semanas a discutir se professores privados com contrato de trabalho são piores ou melhores que escolas com contratos de associação e nunca, nessa discussão, se levou em conta se isso era melhor ou pior para os nossos filhos. Também eles têm um prejuízo real por estarem em Portugal e, no entanto, os pais deles têm dezenas de vezes mais votos que os professores ou que as escolas. Mas o que se discute é o dinheiro que estes últimos vão receber da redistribuição e não o valor que os nossos filhos vão receber.
Vamos buscar os deficientes a casa para irem votar. Mandamos os bombeiros em ambulâncias buscar as pessoas a casa para que possam chegar às mesas de voto e votarem, em igualdade de circunstâncias com todos os outros cidadãos maiores de idade. Estas pessoas são completamente enganadas, porque se em vez de irem votar, fossem de cadeira de rodas atravancar o trânsito para o Marquês de Pombal, já tinham tido os seus interesses satisfeitos, como os taxistas ou os maquinistas do Metro. Se calhar a fração dos 400 milhões de euros era diferente e tinham levado um pouco mais que metade daquilo que foi dado aos taxistas. O custo do seu respeito pela ilusória legalidade democrática é sofrerem o prejuízo em ser português.
Ser português acarta um prejuízo logo à cabeça se não pertencermos a um dos grupos que tem sido conciliado numa “política de diálogo” ou de “concertação”. Infelizmente para nós, os prejudicados, vivemos numa era em que liderança não é impor um caminho definido pelos eleitores, mas sim a “concertação” de interesses acima do voto. É mais importante satisfazer um sindicalista ou uma associação profissional que defender os interesses da D. Emília de Mogadouro, cujas articulações não lhe permitem subir as escadas do parlamento à pedrada aos polícias. E, quando chegamos a este ponto, em que reclamamos ter uma democracia, mas em que o voto parece ter sido impresso em papel higiénico para ser usado no “diálogo” e no “consenso”, será altura de fazer o chamado “abre olhos” às estruturas do poder democrático. Ser líder é defender o voto da D. Emília, independentemente do latir dos cães em volta. Um regime em que os interesses económicos estão acima do voto, não se chama democracia. Tem um nome mais feio. Muito mais feio.
PhD em Física, Co-Fundador e Partner da Closer