No dia 27 de Fevereiro, Boris Nemtsov, um dos líderes da oposição russa, foi abatido a tiro “nas barbas” do Presidente Putin, ou seja, muito perto do lugar mais bem guardado da Rússia: o Kremlin. A polícia fez rapidamente detenções, mas, até agora, os detidos negam o seu envolvimento no crime e a investigação poderá terminar como as anteriores: os verdadeiros organizadores de assassinatos de políticos e jornais opositores continuam em liberdade.
Segundo os aliados políticos de Nemtsov, uma das causas do seu assassinato poderia ter sido o facto de ele estar a preparar um livro sobre a ingerência militar russa nos assuntos da vizinha Ucrânia e os custos económicos disso. Por isso, eles decidiram terminar a investigação iniciada por Nemtsov e publicá-la num relatório: “Putin.Guerra”.
Os dirigentes da oposição russa consideram que a política externa agressiva do Kremlin em relação à Ucrânia foi planeada com vista a fazer subir a popularidade do Presidente Putin depois das eleições de 2012, quando se viu perante uma forte contestação nas ruas. Tudo foi planeado com antecipação: desde o suborno de altas patentes militares e dos serviços secretos ucranianos até a concessão de empréstimos, em condições vantajosas, pelos bancos russos a homens de negócios da Crimeia que defendiam posições pró-russas.
Para Nemtsov, o derrube do Presidente ucraniano Victor Ianukovitch foi apenas o pretexto para dar início à intervenção militar aberta da Rússia no país vizinho.
No relatório apresentam-se as declarações contraditórias de Putin para explicar a forma de anexação da Crimeia. Em Março de 2014, ele dizia à agência Bloomberg: “São forças de autodefesa locais”, acrescentando que o facto de esses “homens verdes” trajarem fardas russas se devia ao seguinte: “Olhe para o espaço post-soviético. Está cheio de uniformes semelhantes… no nosso país, vai a uma loja e compra qualquer uniforme”.
Porém, um ano depois, o mesmo Putin revelava num das suas “conversas com o povo”: “Não escondi que a nossa tarefa consistia em criar condições para a expressão livre da vontade por parte dos habitantes da Crimeia… Por isso, claro que, por detrás das forças de autodefesa da Crimeia, estavam os nossos militares”.
Nemtsov, baseando-se em fontes de informação abertas, noutras confidenciais e em conversas com familiares de militares, escreve que, no mínimo, 150 soldados russos morreram na batalha de Ilovaysk, em Agosto de 2014, e cerca de 70 em Devaltsevo, no início de 2015.
Para que a Rússia não fosse acusada de ingerência directa, os militares eram obrigados a pedir férias antes de serem enviados para a frente dos combates. Os parentes dos 150 soldados mortos receberam uma indemnização de 2 milhões de rublos (cerca de 34 mil euros) depois de assinarem um documento onde garantiam guardar segredo sobre a casa da morte dos soldados. Os dos restantes 70 nada receberam até agora.
Quanto aos custos da guerra para a Rússia, Serguei Aleksachenko, antigo vice-presidente do Banco Central da Rússia e um dos peritos que terminou o trabalho iniciado por Nemtsov, calculou que o país gastou 53 mil milhões de rublos (pouco menos de mil milhões de euros) no apoio aos separatistas pró-russos do Leste da Ucrânia em apenas dez meses; 80 mil milhões de rublos (mais de mil milhões de euros) com os refugiados ucranianos desde Julho de 2014 e 2.750 mil milhões de rublos (cerca de 40 mil milhões de euros) na ajuda à Crimeia depois da anexação.
Escusado será dizer que as autoridades russas negam a veracidade dos factos citados, mas não conseguiram ainda explicar porque é que Boris Nemtsov foi abatido a tiro no centro de Moscovo.
Alexey Navalny, outro líder da oposição, que publicou este relatório na sua página na Internet, considera que se trata de “um relatório bom, sério, que identifica todas as citações, materiais utilizados e fontes dos dados”.