O presidente da Câmara Municipal de Lisboa anunciou com estardalhaço mediático que a Feira Popular vai voltar. Mas não só. Anunciou também que a Feira criará 600 postos de trabalho directos e, por fim mas não por último, esclareceu que a Feira Popular não será “um parque de diversões de uma qualquer multinacional”. A isto juntaram-se em algumas notícias umas breves referências a um estudo de uma empresa holandesa que estima em 70 milhões o investimento na nova Feira. E ponto final. Nem Medina disse mais, nem ninguém lhe perguntou mais nada. Assim não sabemos donde virão os 70 milhões necessários ao investimento. Muito menos quem cobre os prejuízos caso eles venham a existir. Mais misterioso ainda: como e por quem vai ser gerida a nova Feira? Será que pela CML que nem uma empresa para tratar da reabilitação urbana consegue ter a funcionar adequadamente? Que competências tem a CML na área dos parques de diversões para mais originais? O estudo da “empresa holandesa” avaliou a localização da nova feira? O tipo de parque proposto baseia-se em quê?…
Perguntas não faltam. Mas elas não são feitas pois desde que Carmona Rodrigues se demitiu em 2007 que a CML entrou no mundo maravilhoso das boas notícias.
Receitas extraordinárias e taxas e mais taxas sustentam esse Portugal dos Pequeninos versão socialista que é a CML: em 2012, a CML conseguiu uma receita extraordinária de 286 milhões de euros graças aos terrenos do aeroporto. Nos anos seguintes, e à falta de mais receitas extraordinárias significativas, a edilidade lisboeta aplicou-se na multiplicação das taxas: em 2015 a Câmara Municipal de Lisboa arrecadou 409 milhões de euros com impostos e taxas, um valor superior em 54,6 milhões de euros aos 354,4 milhões encaixados em 2014. Para que se perceba a importância das novas taxas neste apuro: dos 54,6 milhões de euros cobrados a mais em 2015, uma parte significativa – cerca de 23 milhões – veio da Taxa Municipal de Protecção Civil.
Para os tempos mais próximos, aos 3,8 milhões de euros de receita da Taxa Municipal Turística suportados em 2015 pela ANA (Aeroportos de Portugal) devem juntar-se as verbas geradas pelas taxas a cobrar e a inventar para o alojamento turístico. Chegaremos provavelmente à taxa do tremoço sempre com a certeza de que estamos no melhor dos mundos. Para quem ainda tem dúvidas sobre este admirável mundo alfacinha ou para reforçar as certezas são-lhe distribuídas com regularidade publicações municipais ou das juntas de freguesia que não passam de propaganda do senhor presidente da Câmara ou da senhora presidente da Junta… E tudo isto que nos outros se estranha aqui entranha-se. Mesmo o estrambólico caso das obras da Segunda Circular que eram estruturantes, cruciais e vitais e que depois foram suspensas não mais foi referido. E contudo, vão ou não ser indemnizadas várias empresas? Vamos ter ou não processos em tribunal como aconteceu com a Bragaparques a propósito precisamente dos terrenos da antiga Feira Popular?
O caso da CML é tão mais importante e interessante quanto ele antecipou o que está a acontecer com o actual Governo: primeiro cria-se um ambiente de guerrilha mediática constante, todos os dias há um caso, logo multiplicado e ampliado em foruns radiofónicos. Chagas sociais inimagináveis geram comentários televisivos e declarações de artistas. Testemunhos emocionados de pessoas afectadas por problemas terríveis causam a consternação. Falam bispos, actores e ex-seminaristas. Vive-se à beira do apocalipse. O neo-liberalismo mata. Os mercados corrompem. Todos estão feitos com todos. Não há cultura. Não há políticas integradas. Não há rasgo. Não há projecto. Não há visão…
Mas tudo isto se esfuma e desaparece quando a esquerda chega ao poder. Aí todos os dias são amanhãs que cantam. Os negócios duvidosos passam a investimentos no futuro. Os problemas tornam-se oportunidades. Os casos dramáticos são substituídos por testemunhos de sucesso. Sem sairmos do caso da Feira Popular está a imaginar-se, noutro contexto político, o cortejo de vizinhos afectados pelo ruído dos carrosséis? De ornitólogos a declararem que naqueles terrenos habita uma família de corujas quiçá a última da cidade e seu termo? De historiadores a explicar que a evocação da antiga Feira Popular remete para o ranço do Estado Novo? De antropólogos a alertar para o facto de as novas formas de lazer e entretenimento não poderem ter como modelo uma instituição cuja frase-modelo era: Ó simpático, vai um tirinho?… Sim, eu sei que estes argumentos são parvos mas se se recordarem daqueles que foram usados para inviabilizar o projecto para o Parque Mayer e sobretudo para contestar a criação do Túnel do Marquês (quantas vezes já inundou?) serão obrigados a concluir que na realidade já se usaram outros bem mais parvos.
Perante isto temos de perguntar: mudar para quê? Para voltarmos àquele arraial da indignação?
Pois é aqui que está o cerne da questão: fora do poder as esquerdas comportam-se como uma milícia frenética que dispara constantemente acusações e suspeições. Uma vez no poder, adquirem pose institucional e auto-elogiam-se por terem trazido a normalidade. Pode parecer um truque básico, tipo barracade feira, mas é neste básico que estamos. E dele não sairemos enquanto os contribuintes continuarem a ser entendidos como os patrocinadores do socialismo.
PS. Se bem percebo, António Domingues chegou à administração da CGD porque um dia entrou pela porta e tomou conta do lugar. Não negociou as suas condições de trabalho com ninguém. Agora o primeiro-ministro, o Presidente da República e o dr. Marques Mendes tentam chamá-lo à razão. Graças aos céus que existe o Tribunal Constitucional para meter algum juízo e respeito ao dr. António Domingues. Certamente que o TC se pronunciará brevemente e não decidirá contra as opiniões do primeiro-ministro, do Presidente da República e do dr. Marques Mendes. Um grande bem haja para todos.