Num País onde as carências de saúde ainda são significativas, apesar dos esforços que todos têm desenvolvido para as colmatar e, no caso do actual Governo, contra a enorme resistência do Ministério das Finanças, é muito caricato que tenha sido agora publicado um despacho de proibição de venda de croquetes, empadas, chamuças, mortadela, chourição, etc. Vale a pena ler, é mesmo muito mais saboroso do que o ano findo.

O Despacho 11391/2017 de 19 de dezembro, assinado pelo Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Saúde e publicado a 28 de dezembro, é um monumento ao humor nacional. “Gato Fedorento” não faria melhor. Agora temos o SEAS mais a tropa que o assessora e lhe impinge estes textos deliciosos para que Sua Excelência assine. Conheço e aprecio o Dr. Fernando Araújo. Não merecia que lhe tivessem feito uma maldade destas. Cheira-me a coisa congeminada numa rápida visita a uma pastelaria lusa, com um afinco sanitário que, a haver noutros combates como às listas de espera ou às infecções hospitalares, nos colocaria no primeiro lugar da higiene mundial.

Agora, por lei, as cafetarias existentes em instalações do SNS, apenas essas por enquanto, ficam proibidas de servir um extenso e detalhado role de produtos onde, felizmente, faltam o toucinho do céu, o pudim abade de priscos (volto sempre a este) e o salame de chocolate. Em boa verdade, lendo a alínea b) do estulto normativo, apenas estão contemplados, no que à pastelaria concerne, “bolos ou pasteis com massa folhada e/ou com creme (duas vezes eliminado o pastel de nata) e/ou cobertura, como – atente-se no pormenor – palmiers, jesuítas (reminiscência Pombalina, certamente), mil-folhas, bola de Berlim (o BE não perdoa no que ao ódio à Senhora Merckel diz respeito), donuts (o Trump também não se fica a rir, embora possam vir a ser vendidos pretzels), croissants (parece que o PS esqueceu-se da ajuda que a França lhes deu nos tempo do Salazar) ou bolos tipo – categorização impecável – queque”. Temos uma nova filogenia dos bolos que, pelos vistos, não classifica o bolo rei. Não sei se como “queques” estão a referir pastelaria “fina”, por oposição às broas e outros panificados mais popularuchos.

Abstenho-me de continuar a citar porque a jurisprudência criada será impagável. A interpretação dos limites impostos à doçaria, e o aproveitamento de omissões graves como a dos torresmos que, lamentavelmente, não figuram na lista da alínea d), antevê longas discussões nos processos que vierem a ser instaurados pela DGS, ASAE, ACSS, eu sei lá mais quem, aos potenciais prevaricadores. Sandes de presunto, não podem ser vendidas, mas se forem de pernil de porco, o tal da Venezuela, já está tudo bem. E há o salpicão de que, seguramente por distracção, ninguém se lembrou de incluir na lista.

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O apetitoso texto – juro que fiquei cheio de fome quando acabei de o ler – é ainda mais interessante quando prevê uma lista, necessariamente frugal, de matérias salubres que devem ser vendidas nestes estabelecimentos. Logo à cabeça a água potável – outra não seria expectável – gratuita, o que é uma novidade absoluta nos estabelecimentos portugueses de pastelaria que têm, reconhecidamente, o hábito de cobrar o copo de água. Não têm? As tisanas só poderão ser servidas sem açúcar mas fica por saber se pode continuar a ser servido com o pacotinho de açúcar que, desde há anos, deixei de usar. Que tal, reduzirem o peso de açúcar desses pacotes gratuitos? A DGS já defendeu isso.

Claro que o diploma, vanguardista e abrangente, exclui todos os tipos de refrigerantes, incluindo os com edulcorantes, apesar do Governo só taxar aqueles que têm açúcar adicionado. Sumos de fruta, mesmo da docíssima manga, estão livres para serem comprados. Refeições rápidas, como hambúrgueres, mesmo que de carne magra ou de aves, não podem ser dispensadas. Uma feijoada ou mãozinha de vaca com grão, já pode ser. A tolice tomou conta da saúde.

O despacho é uma cópia fiel de um outro, ainda não aplicado na quase totalidade das máquinas dispensadoras que vou vendo por aí, desenhado para máquinas de venda automática em que, pese embora o ridículo, se justificava a discriminação. Ninguém se lembrou de fazer melhor do que copy e paste?

É com palermices como a deste Despacho, que fará história, que se matam boas ideias para a melhoria da saúde pública. Não se deveria ter começado por tomar medidas nos bares escolares, pelo menos no que concerne às guloseimas e snacks? Não é claro que este despacho levará a que muitas empresas decidam terminar os contractos que pagam ao Estado, depauperando ainda mais os rendimentos dos nossos Hospitais?

O despacho até prevê, vejam lá, que se paguem indemnizações às empresas que forem lesadas por estas proibições. Para isso já haverá orçamento hospitalar disponível? Não é certo que os funcionários passarão, simplesmente, a ir ao estabelecimento mais próximo, para poderem comer o que lhes aprouver? Qual a base científica, o estudo publicado, a observação de consumo que determinou a longa lista de produtos elencados?

Por muito menos, numa outra vida que já tive, chamaram-me de higieno-fascista por defender medidas, eficazes e de impacto provado, no combate ao tabagismo. Agora que temos um novo marxismo-leninismo alimentar, onde estão essas vozes?

Há uns dias, em público e por isso o cito, o Senhor Ministro da Saúde, com a bonomia que se lhe reconhece e o á vontade que mais de 30 anos de conhecimento mútuo permitem – poderia até dizer com amizade que julgo recíproca e percurso conjunto em muitas lutas passadas –, disse-me que quanto mais eu o criticava mais vontade tinha em prosseguir no seu caminho político, de fazer mais. Ainda bem. Gosto sempre de ajudar. Mas desta vez, por favor, peço que este meu comentário não dê azo a mais disparates destes.