Espanha é um Estado plurinacional e, por isso, nem sempre foi pacífica a integração das suas diversas nacionalidades. Mas a unidade prevaleceu, primeiro por força do regime franquista e depois por virtude da Constituição democrática, que refundou o novo Estado espanhol: uma monarquia constitucional e unitária, com várias regiões autónomas. Que o chefe de Estado seja um rei, que é herdeiro dos que o foram de Castela, Leão, Aragão, Navarra e Galiza, bem como dos condes de Barcelona e dos senhores da Biscaia, parece ser uma solução razoável. Também a Bélgica, que é um país de grandes contrastes, tem na coroa o principal garante da sua unidade nacional. Embora se deva a Franco a atípica restauração monárquica espanhola, que contrariou as leis dinásticas, a Constituição agora vigente foi amplamente legitimada pelo voto popular, que a aprovou pela esmagadora maioria de 87,78% dos eleitores.

Que uma região espanhola, como é a Catalunha, venha agora (a que propósito?!) reivindicar a independência é, pelo menos, insólito, em termos históricos. Com efeito, não obstante uma certa autonomia do medieval condado de Barcelona, a Catalunha nunca foi um Estado independente, como também o não foi o país basco. Que antigos reinos pretendam a independência, faz sentido historicamente, na medida em que o foram antes da constituição do Estado espanhol, pelo casamento dos reis católicos, mas parece descabido que regiões que nunca foram independentes, o queiram ser agora.

Ao contrário de Espanha, Portugal é um Estado-nação, que nunca esteve integrado na monarquia espanhola, pelo que é falso que alguma vez dela se tenha separado. Quando o condado portucalense se tornou independente, não se separou de Espanha, que nessa data ainda não existia como Estado, mas de Leão, de cujo rei o conde D. Henrique era vassalo. Durante a dominação filipina, Portugal era juridicamente um Estado independente, embora o rei de Espanha também o fosse de Portugal: a união pessoal não implicou a perda formal da independência nacional. Também a rainha da Grã-Bretanha é soberana do Canadá e da Austrália, sem que estes países, que são Estados soberanos, sejam colónias britânicas.

Nenhuma razão histórica, ou política, parece fundamentar a criação, ‘ex novo’, de um Estado catalão, nem justifica a atitude dos independentistas contra a democrática Constituição espanhola e contra o Estatuto da Autonomia Catalã, aprovado por 88,14% dos catalães, em referendo de 25-10-1979. No limite, as forças pró-independência poderiam promover uma revisão constitucional, que permitisse a evolução de Espanha para um Estado federal e até admitisse, em casos extremos, a secessão de alguma das suas regiões. Todos os povos podem aspirar à independência, mas não a qualquer preço, nem por métodos contrários à legalidade democrática: não é admissível o recurso à violência, nem é razoável que uma declaração unilateral de independência ponha em risco a paz e a estabilidade da Catalunha e das restantes regiões espanholas.

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Que se saiba, não existem razões humanitárias que legitimem esta extemporânea pretensão independentista. São os catalães uma minoria oprimida pelo Estado espanhol?! Não parece, pois gozam de uma ampla autonomia, que lhes permite ter um parlamento e um governo próprios. São explorados por outras regiões espanholas? Não consta, porque, antes de se precipitar nesta grave crise política, que já está a ter efeitos muito negativos na sua economia, era uma das autonomias mais desenvolvidas. Mas em Espanha, como em qualquer outro país e também na União europeia, é justo que as regiões mais ricas contribuam para o progresso das mais desfavorecidas. É marginalizada a sua cultura?! Pelo contrário, pois em todo o seu território se fala e ensina o catalão, em detrimento até do castelhano. Os catalães são preteridos nos cargos públicos?! De modo algum, pois os cargos na administração pública catalã estão ocupados, em geral, por naturais da região autónoma. Por outro lado, a Catalunha tem até as suas próprias forças de segurança, os Mossos d’Esquadra.

Afinal, que lhes falta ou que mais querem?! Participar, como nação, nos torneios de futebol?! Não ter que hastear a bandeira espanhola, junto à catalã?! Mas estas aspirações valem uma tão grave confrontação social e recessão económica, como a que a acção dos independentistas já está a provocar?!

Não deixa de ser paradoxal, senão mesmo contraditório, que os independentistas catalães queiram deixar de ser espanhóis, mas não queiram deixar de ser europeus. De certo modo, a Espanha é uma espécie de ‘união europeia’: essa foi a sua génese histórica e é ainda a sua realidade política, porque é um conjunto de várias nacionalidades unidas por uma estrutura supranacional. Se não querem ser espanhóis, para não ter que subsidiar os andaluzes, como se diz, como hipotético novo membro da União europeia, a Catalunha aceitará contribuir para o desenvolvimento das nações europeias mais carenciadas?!

À Igreja não compete ser a favor ou contra a independência da Catalunha, porque esta é, obviamente, uma questão opinável. Mas deve ser sempre pela concórdia e pela paz, como disseram o Papa Francisco e os bispos espanhóis, na nota de 27-9-2017 da comissão permanente da respectiva Conferência Episcopal. O independentismo catalão pode ser uma justa aspiração, mas pode não ser, se for expressão do orgulho e da falta de solidariedade de alguns catalães, que ameaçaram a paz e a prosperidade da própria Catalunha e das restantes regiões espanholas. O egoísmo dos povos – recorde-se o nacional-socialismo alemão – não é virtuoso: a doutrina social da Igreja sempre louvou o patriotismo, mas sempre condenou o nacionalismo, como expressão que é do orgulho nacional.

O protestante rei Henrique IV de Navarra teve de se converter ao catolicismo, para aceder ao cristianíssimo trono francês. A ele se atribui a famosa frase: ‘- Paris vale bem uma missa!’ Também a Catalunha vale bem uma missa, embora uma missa valha muito mais do que Paris, ou a Catalunha. É necessário que todos os catalães, quaisquer que sejam as suas opções ideológicas, renunciem à violência, de facto ou verbal, e se empenhem em fazer da sua convivência uma ‘missa’, ou seja, uma experiência de comunhão. Se assim não for, a missa será de requiem … pela Catalunha!