Um dos temas que deveria marcar o debate eleitoral é o da reforma da Segurança Social, quer pela gravidade da situação atual, quer pelo impacto que tem no nosso futuro.

O tema da sustentabilidade da Segurança Social já tem sido levantado há pelo menos 25 anos. Durante este período foram feitas várias reformas no sentido de limitar os direitos futuros. Mas, pelos vistos, não chega. A discussão é sempre a mesma: uns posicionam o tema no plano da inevitabilidade de alterar as regras; outros falam em direitos adquiridos e na necessidade de resolver o problema através da criação de emprego.

A origem do problema está no facto de o sistema prever uma forma de cálculo das reformas assente em pressupostos diferentes da sua forma de financiamento. As reformas são calculadas com base nas contribuições de cada indivíduo ao longo da sua carreira contributiva, mas são pagas pelas contribuições dos indivíduos que em cada momento se encontram no ativo.  É isto a que ironicamente se chama “solidariedade intergeracional”. A sustentabilidade das reformas é um problema de ética no equilíbrio de sacrifícios impostos às várias gerações.

Vejamos primeiro a questão do cálculo e depois a do financiamento.

Até 2001 as pensões de reforma eram calculadas com base nos melhores anos dos últimos 15 antes do início da pensão de reforma. Era um sistema que não premiava quem fizesse descontos constantes ao longo de toda a carreira contributiva. Independentemente disso, era um sistema claramente deficitário, porque o valor atualizado das reformas era superior ao valor atualizado dos descontos. O sistema era, assim, alimentado pelo aumento do número de contribuintes.

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A partir de 2002, as reformas passaram a ser calculadas com base na totalidade da carreira contributiva, mas a nova regra aplica-se apenas proporcionalmente aos períodos contributivos posteriores. Para os contribuintes com carreiras em curso, a reforma é calculada com base nas duas regras, proporcionalmente aos respetivos períodos. Ou seja, as regras deficitárias passadas ficam inalteradas, recaindo o ónus do reequilíbrio sobre os contribuintes futuros.

Em 2007 foi criado o fator de sustentabilidade em função da evolução da esperança média de vida. Quer isto dizer que o valor inicial das reformas futuras seria diminuído à medida que a esperança média de vida fosse aumentando. As reformas iniciadas anteriormente ficaram inalteradas mais uma vez.

No âmbito do regime de assistência financeira, foram tomadas diversas medidas de cortes de pensões (ou aumento de impostos), abrangendo apenas as mais elevadas. O critério de escolha das pensões objeto destes cortes foi apenas o seu valor, não se ponderando o valor real das respetivas carreiras contributivas. Provavelmente não poderia ser de outra forma, dadas as limitações, quer de tempo, quer de informatização do sistema da Segurança Social.

Em 2014, a base de incidência dos membros de órgãos estatutários, que estava limitada a € 5.030,64, passou a corresponder ao seu valor real. Desta forma, conseguiu-se arrecadar um maior valor de contribuições a curto prazo. No entanto, ao aumentar a base de incidência também aumentou o valor do cálculo da reforma, o que corresponde a um aumento do défice. Por outro lado, o fator de sustentabilidade deixou de incidir sobre o valor da pensão, mas antes sobre a idade da reforma. Ou seja, o aumento da esperança de vida já não faz diminuir o valor da pensão, mas determina o aumento da idade da reforma. Com este adiamento do início das pensões, consegue-se alguma poupança no curto prazo, mas onera-se o sistema no médio prazo.

Quanto ao financiamento, o sistema da segurança social divide-se no regime geral e no regime não contributivo. O primeiro é financiado pelo orçamento da Segurança social e o segundo pelo orçamento de estado. Assim, o regime geral é entendido como uma espécie de seguro coletivo obrigatório, ao passo que o regime não contributivo constitui uma forma de solidariedade social financiada pelos impostos. As reformas fazem parte do regime geral, pelo que devem ser financiadas apenas pelas contribuições arrecadadas. E, considerando o princípio da solidariedade intergeracional, as reformas são em cada momento financiadas pela geração contributiva desse mesmo período. Este sistema só funcionaria se a relação entre pensionistas e contribuintes no ativo fosse mais ou menos constante, o que não acontece.

De acordo com estudos publicados pelo INE, a relação entre população com 65 ou mais anos de idade e a população dos 15 aos 64 anos de idade irá evoluir, entre 2012 e 2060, de cerca de 30% para mais de 65% (Fonte INE). Esta situação não pode deixar ninguém indiferente. Hoje, o sistema de pensões da segurança social não goza de credibilidade junto da geração no ativo, sendo as contribuições encaradas como verdadeiro imposto adicional sem garantia de retorno futuro. A falta de credibilidade do sistema é um dos principais problemas do país. Porém, nos programas eleitorais não se encontra qualquer proposta de reforma estrutural com objetivo de inverter a tendência de descredibilização do atual sistema.

Do lado da coligação PSD/CDS propõe-se um teto para as pensões mais elevadas e um plafonamento das contribuições de vencimentos mais elevados. Significa isto que a lógica da solidariedade intergeracional serve para garantir rendimentos mínimos. A partir desse valor, o sistema passa a ter uma componente individualizada. Trata-se de um primeiro passo no caminho de um sistema de financiamento misto. É uma tentativa de credibilizar ligeiramente o sistema. É uma proposta séria, mas insuficiente. Os críticos desta proposta baseiam-se no facto de levar a uma perda de receita, omitindo a consequente diminuição de dívida correspondente. Se as contribuições fossem um imposto, como estes críticos as encaram, seria um argumento acertado.

Do lado do PS, propõe-se a descida da TSU para trabalhadores, descida da TSU para empregadores e aumento para aqueles que têm maior percentagem de trabalhadores contratados a prazo, alargamento da base de incidência e financiamento das pensões com imposto sobre as heranças. Ou seja, as propostas levariam a um agravamento do défice do sistema e consequente aumento da dependência de impostos. Do ponto de vista do contribuinte, haveria cada vez mais semelhança entre contribuições para a segurança social e impostos.

A solução para assegurar a sustentabilidade até poderia ser relativamente simples, desde que se assumisse que o cálculo das pensões está dependente do mesmo critério do seu financiamento. Parece lógico. Para tal, o valor das pensões atuais e futuras ficaria sujeito a um ponderador correspondente à evolução da relação entre contribuintes no ativo e pensionistas, de modo a garantir que em cada momento o saldo não é deficitário. À medida que diminuíssem os contribuintes no ativo e aumentassem os pensionistas, diminuía o valor das pensões na mesma proporção.  As pensões mais baixas teriam que ser financiadas pelo orçamento de estado, numa lógica de solidariedade.

As vantagens desta solução seriam: (i) tornar o sistema mais transparente, (ii) equilibrar o sacrifício entre as várias gerações (iii) as pessoas saberem com o que podem contar, permitindo planear o futuro e (iv) acabar de vez com a imprevisibilidade das medidas de cortes que são impostas recorrentemente.

O problema é que voltaríamos à questão da redução das pensões atuais e ficaria evidenciado o valor manifestamente baixo das pensões para que correm as gerações mais novas. Isso teria um preço político. Mas esse é o preço da verdade. Enquanto não se quer pagar esse preço, vai-se tomando pequenas medidas justificadas pela inevitabilidade das regras orçamentais. Só que o problema é muito mais do que de gestão orçamental. É um problema grave de ética coletiva.