Os atentados terroristas da semana passada em Bruxelas chocaram o mundo civilizado. Contrariamente ao que pretendem os terroristas, também reforçaram a determinação de lhes fazer frente. Esta determinação deve ser subscrita por todos os defensores do mundo livre. E deve agora ser acompanhada das medidas necessárias para derrotar o terrorismo. É uma batalha longa e difícil. Mas é uma batalha que pode seguramente ser ganha pelas nossas democracias.

Um primeiro passo consiste em reforçar as forças de segurança e a articulação entre elas. Vários especialistas nesta área sublinharam a importância de reforçar os serviços de informação. Destacaram a urgência de infiltrar as redes terroristas e as comunidades em que se movimentam. E sublinharam a necessidade de reforçar a partilha de informação entre os serviços de informação euro-atlânticos. Tudo isto pode ser feito rapidamente, desde que exista vontade política e determinação.

Mas as forças de segurança e informação não podem agir sozinhas. É indispensável que as redes terroristas não possam movimentar-se em “zonas de excepção” no interior dos nossos estados de direito. Aqui enfrentamos um problema mais fundo, a chamada ortodoxia politicamente correcta, também conhecida por “multiculturalismo”.

A expressão é, aliás, enganadora. À primeira vista, multiculturalismo deveria querer dizer livre concorrência entre múltiplas tradições culturais e religiosas. Este é um princípio da sociedade aberta, fundada na igual liberdade das pessoas perante a lei. O seu alicerce fundamental reside na liberdade de expressão, o que inclui obviamente a liberdade de crítica mútua e pacífica entre as várias tradições culturais e religiosas.

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Mas o “multiculturalismo” realmente existente não é defensor da liberdade e da sociedade aberta. É defensor da tribalização das sociedades em grupos colectivistas nos quais as pessoas são definidas pela pertença de origem. Em torno desses grupos colectivistas, o “multiculturalismo” ergue muros para impedir o diálogo e a crítica, alegando que está a fornecer-lhes igual protecção e igual direito a “identidades diferentes”. Na verdade, está a impedir a conversação entre pontos de vista diferentes e, nos casos limite, está a criar “guetos” onde o primado da lei não pode entrar.

Acresce que a protecção das diferentes identidades não é igual para todas. Há umas identidades que são mais iguais do que outras. O “multiculturalismo” é uma nova versão das velhas doutrinas anti-ocidentais que descrevem o Ocidente como sede de opressão, imperialismo e expansionismo cristão. Na prática, o “multiculturalismo” quer silenciar as vozes ocidentais e quer promover as chamadas identidades não ocidentais. O resultado são “guetos” anti-ocidentais no interior dos quais germina sem entrave o ódio contra as sociedades abertas que os acolhem. É aí que crescem as redes terroristas.

Muitas vozes genuinamente se interrogam hoje sobre a possibilidade de as nossas democracias fazerem frente a este vírus terrorista ilibado pelo “multiculturalismo”. Creio francamente que há aí um mal entendido. As democracias têm os melhores instrumentos para esse combate. Basta que sejam autorizadas a utilizá-los.

Esses instrumentos chamam-se primado da lei, liberdade, concorrência, sociedade civil. Reforcemos, por um lado, os serviços de segurança e informação sob a alçada da lei. Deixemos, por outro lado, as pessoas livre e pacificamente exprimirem as suas opiniões. Deixemos falar as instituições intermédias, ou os “pequenos pelotões” de que falava Edmund Burke — as famílias, as vizinhanças, as igrejas, os clubes e associações voluntárias de todos os tipos, nomeadamente as escolas.

Para retomar uma grande frase, “libertemos a sociedade civil” — no caso presente, libertemos através do primado da lei a sociedade civil do espartilho politicamente correcto do “multiculturalismo” e da ortodoxia anti-ocidental.