Ao terceiro livro, Adriano Mixinge estreia-se a publicar em Portugal. Pela mão da editora Guerra & Paz, O Ocaso dos Pirilampos chegou às livrarias esta quarta-feira, depois de ter vencido o prémio literário angolano Sagrada Esperança.
Na pré-adolescência, Adriano Mixinge viu em Luanda o filme “O Grande Ditador”, de Charlie Chaplin. Da Angola colonizada onde nasceu, partiu para a Cuba de Fidel Castro, onde estudou “em contexto totalitário”. Quando regressou a Angola, em 1993, durante a Guerra Civil, percebeu que, apesar de licenciado, a sua voz não tinha força. Quem mandava no(s) bairro(s) eram “os assaltantes à mão armada e os criminosos de colarinho branco”, senhores que se apropriam do indevido pelo uso do poder. Em O Ocaso dos Pirilampos, os referidos “batuqueiros” não tocam batuque: representam, sim, estes fora-da-lei.
Todo o livro recorre à metáfora para descrever o poder, personificado no narrador que quer ser recordado como o “Grande Patriota”, apesar de todos os abusos que comete. “As suas atitudes afetam a vida de todos, mas um dia isso mudará inevitavelmente”, disse Adriano Mixinge sobre os batuqueiros na sua apresentação, quarta-feira ao final da tarde, na FNAC do Chiado, em Lisboa.
Hoje com 46 anos, Adriano Mixinge é adido cultural da Embaixada de Angola em Espanha. Na apresentação, apoiada pela Embaixada de Angola em Portugal, o convidado Henrique Monteiro leu uma passagem do livro:
“Não me venham dizer que os tempos agora são outros quando a pobreza é intemporal. E não me venham dizer que não é possível serem mais justos quando a injustiça não é um fatalismo. E não me venham dizer que o nosso país é só um país potencialmente rico, quando temos riqueza para que as futuras gerações nasçam já com um pão, com livros e com um computador debaixo do braço (…)”.
A autora angolana Elizabeth Vera Cruz, também convidada para fazer a apresentação de O Ocaso dos Pirilampos, destacou que a publicação deste “texto ousado poderá ser um indício de que as coisas em Angola estão a mudar”. Aliás, não só foi publicado como “foi premiado com, talvez, o maior galardão literário que Angola tem”, o Sagrada Esperança.
Ao Observador, Adriano Mixinge explicou que o livro não é sobre Angola, mas mera “ficção, numa perspetiva universal”. No entanto, admite: “É verdade que pode haver elementos da realidade angolana que possam, ou não, encontrar eco no texto, mas o livro transcende aquilo que é anedótico para se instalar numa reflexão mais a longo prazo, uma reflexão mais associada com o desenvolvimento humano e a massificação da justiça social”.
Esta reflexão sobre o poder pretende mostrar “como um grande poder unipessoal pode afetar a vida de uma comunidade”, seja ela qual for. “Tenho pena do poder, da sua incapacidade de dirigir a mudança”, disse o escritor na sua apresentação. Na página 114 do livro, por exemplo, o narrador confessa:
“Quando estou eufórico, mando dizer aos Ocidentais que eu fiz mais por este país nos anos de paz que muitos países africanos em cinquenta anos de independência”.
Adriano Mixinge é descrito pela Guerra & Paz como integrante de uma nova geração de romancistas independentes, da qual também fazem parte autores como Ezequiel Cori ou Amélia da Lomba. “Uma geração que aborda temas novos, sem complexos, como a importância da sexualidade na vida”, explicou o autor. Questionado pelo Observador sobre como vê o estado das artes em Angola, Adriano explica que “há uma relação estreita entre o desenvolvimento do país e das criações artísticas e literárias”. Há 12 anos em paz, “Angola é um país dinâmico, não só pela macroeconomia mas também pela criação artística”.
O Ocaso dos Pirilampos sucede a Made in Angola: Arte Contemporânea, Artistas e Debates, publicado em Paris, em 2009, e que junta ensaios de arte contemporânea, incluindo textos que tinham sido censurados na imprensa, em Luanda. O próximo livro já está em andamento e será uma reflexão sobre os pequenos poderes.