A bátega que se abateu sobre o Porto durante a manhã fazia prever um Parque da Cidade cheio de lama, mas a erva absorveu quase toda a água, e não precisámos de calçar as galochas. Com o céu carregado e o vento (muito) frio, lá começámos a Observar o 2º dia do NOS Primavera Sound. Já com os quatro palcos a funcionar, pudemos apreciar a totalidade do espaço, em especial o recinto onde está montado o palco ATP: um anfiteatro natural em socalcos, rodeado de árvores, com uma envolvência única. Aliás, a estrutura natural do parque está muito bem aproveitada, porque utiliza os seus declives naturais para tornar possível ver o que se passa nos palcos sem precisarmos de nos pôr em bicos dos pés.
O Rock tem muitas franjas, umas mais leves que outras, e as de ontem foram pesadas, e não necessariamente pelo ritmo. Esta sexta-feira foi um dia com 21 artistas em cartaz, e o alinhamento prometia densidade, experimentalismo, escuridão, e guitarras. E assim foi.
Midlake (18h50)
Na tela de palco, a capa do novo “Antiphon”. Os texanos Midlake apresentaram-se bem dispostos, e sob a ameaça de chuva vieram preparados para salpicar a sua hora com temas novos e antigos. Geralmente apresentados como uma banda folk, a avaliar pelos temas do novo disco teremos certamente de virar as agulhas para outro lado. Som atmosférico e delicado, os instrumentos tocados com grande detalhe e clareza, não foram o suficiente para distrair o muito público no recinto do palco principal. Interpretaram o esperado “Young Bride”, mais foi só mais uma canção em câmara lenta a condizer com o tempo nublado e a temperatura – àquela hora, ainda – amena. O vocalista Eric Pulido arranha algo em português, até que o teclista Eric Nichelson (casado com uma portuguesa) toma-lhe a vez e faz um brilharete: “Estamos muito feliz de estar aqui, e por chuva ter parado, graças a Deus”. E não é que nesse momento o sol apareceu?!
Warpaint (20h00)
Quando as guitarras estão nas mãos das mulheres acontece uma coisa qualquer, uma espécie de charme emerge da ligação – que na quinta-feira sentimos também com as Haim – que se revelou ainda mais poderoso com as quatro Warpaint em palco. Talvez porque se sentiu que elas gostaram mesmo do que estavam ali a fazer, foi indie rock de boa cepa. Tecnicamente muito competentes, mas não pareceram convencer as massas, que aparentavam estar ali mais para as ver que para as ouvir. Houve quem comentasse a desilusão: “Se não as tivesse visto já ao vivo teria ficado com má impressão”, ouvimos na mesa ao lado à hora de jantar. Para muitos, foi mesmo essa sensação que ficou. Rock bem tocado, mas que não nos tocou.
Pelas 21h00, começou a atuação dos australianos Pond (metade são membros dos Tame Impala) no palco ATP, atrasados devido ao arrastar que foi, antes deles, o começo dos Television.
No palco Super Bock, os Slowdive, banda britânica de rock (shoegaze) formada em 1989, e uma das mais esperadas pelo público. A proximidade dos palcos fez-se sentir, e o vento que arrastava o som de um para o outro talvez tenha atiçado a curiosidade dos muitos que passaram uma hora entre os palcos; nós assistimos a isso porque fizemos o mesmo. Rock psicadélico de um lado (Pond) e progressivo no outro (Slowdive), ambas importantes por motivos diferentes. Os britânicos são referências fundamentais, 25 anos de carreira não é coisa com que se brinque. Guitarradas longas e distorcidas, herança no género dos My Bloody Valentine, tornam-se facilmente num alucinogénio. Já os Pond, mais leves, tocam a “Earth Song” de Michael Jackson, “porque gostam muito”. De um lado os míticos Slowdive, e do outro os jovens Pond. O que é certo é que Adolfo Luxúria Canibal estava na primeira fila a ver os australianos, o que não nos diz nada de concreto, mas pode sugerir muito.
Às 22h35 sobem ao palco os artistas da noite, os norte-americanos Pixies.
Já foram dados como mortos, ressuscitaram sabe-se lá porquê, diz-se que foi da vontade dos fãs. O que é certo é que foram os responsáveis pela enchente da noite no palco principal, e mantiveram em êxtase milhares dos 25 mil presentes ontem no Parque da Cidade. Todos estão velhos, as canções e as fórmulas, mas o mercado faz-se da oferta e da procura, e por isso os Pixies saíram dali, outra vez, vencedores.
GodSpeed You! Black Emperor (22h40)
Após uma longa ausência nos palcos, a banda de Montreal regressou ontem ao Porto. Uma bateria, duas guitarras e outras cordas (violino e violoncelo), som experimental ensaiado, um ambiente escuro e soturno, pintado com imagens psicadélicas na tela em fundo, onde se lia a palavra “Hope” (esperança), fotografias antigas de rostos e manuscritos e pastas de arquivo, imagens sempre em tom sépia, também de caminhos e outras sugestões permanentes de viagem. E foi o que aconteceu ali; ao longo de cada um dos temas de 10 ou 15 minutos, cada um fez a sua.
Trentemøller (00h15)
Anders Trentemøller é dinamarquês, tem 39 anos e começou a fazer indie rock no final dos anos 90, antes de se virar para a música eletrónica (uma área onde acabou por se tornar um nome importante). Aos primeiros minutos do dia de sábado subiu ao palco para misturar os dois géneros, com guitarras (duas, femininas), teclados, baixo e bateria, pandeiretas e chocalho. Música eletrónica feita com os instrumentos todos, a banda desenhou um híbrido denso, em continuidade com o ambiente “negro” da noite rock progressiva e experimental. Trentemøller foi o último nome da noite no palco Super Bock, e quase todos ali tinham sede de dança. Contudo, alguns, foram capazes de dormir, deitados na relva ainda húmida.
Mogwai (01h45)
Banda de Glasgow, formada no início dos anos 90, foi outro dos nomes mais esperados da noite. Mestres no que se convencionou chamar de “pós-rock”, tocaram com brilhantismo. Músicos experientes (três guitarras, uma bateria e um baixo), foram sábios gestores de silêncios, e só surpreenderam quem nunca os tinha ouvido. Simpáticos, brindaram-nos com músicas longas e com a arte de melodias construídas a partir da distorção. No palco, jogos de luz inteligentes (notou-se uma produção e sincronia cuidadas), e na tela em fundo uma imagem a fazer lembrar o Sputnik, com dois “olhos” desenhados a meio. Pioneirismo, visão, passado, observação, viagem, futuro. Foi algo de espacial o que aconteceu ali, sem dúvida.
Ao mesmo tempo, no palco Pitchfork, atuaram os Darkside, projeto de Nicolas Jaar e Dave Harrington. Sintetizador e guitarra, de frente um para o outro, luzes vindas do fundo do palco desenhavam silhuetas. Música eletrónica que continuou pesada, toda a noite um todo coerente.
Mais tarde, às 02h55, a noite carregada caminha para o fim com uma locomotiva norueguesa chamada Todd Terje. Disparou a batida no Mac, e seguiu non stop a 65 bpm, certo como um relógio. Sem grande brilho, despachou o serviço, foi um maquinista competente.
Este segundo dia da edição portuguesa do Primavera Sound foi feito sobretudo de rock progressivo, experimental e intenso. 6ª feira, dia 6 do mês 6. Céu muito nublado e vento moderado e frio. A organização ainda distribuiu capas para proteger da chuva, mas do mal o menos, não chegaram a ser precisas. Precisámos mais de casacos e gorros de lã polar, isso é que nos fez muita falta.
Estivemos em permanência no Twitter com a etiqueta #ObsFEST. Mais logo retomamos as nossas observações, ainda sob a ameaça de chuva e com garantia de descida da temperatura mínima. Este sábado promete.