A maior parte do projeto de lei que vai introduzir a possibilidade de em Portugal se recorrer à gestação de substituição – vulgarmente conhecida como barriga de aluguer -, já está consensualizada entre PSD e PS, mas são os abusos à lei e as responsabilidades de regulamentação do Governo nestes casos que ainda dividem o grupo de trabalho que está a afinar o diploma. O PS diz que neste processo “todo o cuidado é pouco” para evitar qualquer “inconstitucionalidade”. Novas alterações vão voltar a ser votadas para a semana.
O grupo de trabalho sobre a procriação medicamente assistida, que integra a Comissão de Saúde da Assembleia da República, esteve esta quarta-feira reunido para ultimar o projeto de lei que vai permitir a gestação de substituição em Portugal, mas não conseguiu terminar o diploma. Foram aprovadas as situações em que este tipo de gestação será permitido – a ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão – por todos os partidos menos pelo CDS. No entanto, surgiram novas dúvidas aos deputados, tanto do PS como do PSD, sobre outros artigos em discussão.
Os possíveis abusos a esta lei levaram a que vários deputados levantassem dúvidas sobre a clareza das infrações à gestação da substituição atualmente previstas no projeto-lei. Até agora os partidos concordaram em punir entre um ou dois anos quem leve a cabo este tipo de gestação fora dos casos permitidos por lei, quer seja como um ato pago ou um ato gratuito, assim como quem promova este tipo de práticas de forma ilícita – com pena até dois anos.
A deputada social-democrata Ângela Guerra disse que tendo em conta o direito comparado de outros países sobre esta matéria, seria importante introduzir o ato da tentativa deste tipo de gestação, que até agora não está previsto. Já o deputado João Semedo considerou que é preciso distinguir os tipos de promoção, já que os médicos devem esclarecer e acompanhar as suas pacientes que não tenham útero, ou se vejam impossibilitadas de engravidar por doença ou lesão desta órgão, a utilizarem este método, sem que isso seja considerado promoção. Quanto à promoção comercial, o deputado – que também é médico – esclareceu que os procedimentos médicos não podem ter qualquer tipo de promoção comercial.
No ponto que diz respeito às atribuições do Governo na sequência da aprovação desta lei por parte do Parlamento, Maria Antónia de Almeida Santos, deputada do PS, considerou que as responsabilidades do Executivo previstas no diploma aparecem de forma “muito vaga” e que é necessário “delimitar as áreas de regulamentação do governo”. Ao Observador, a deputada socialista afirma que esta alteração “não visa qualquer manobra dilatória”, mas sim garantir que a lei preparada na Assembleia “não está ferida de inconstitucionalidade”. “É uma matéria muito sensível que mexe com direitos fundamentais e o Tribunal Constitucional vai ter um cuidado redobrado. Por isso devemos ter cuidado”, salienta a deputada.
As alterações que vão permitir a gestação de substituição não contam com o apoio do CDS. Quando os projetos de lei foram pela primeira vez introduzidos sobre esta matéria em 2012, incluindo um projeto do PSD, o CDS absteve-se já que esta não é uma matéria que faça parte do acordo da coligação.
O objetivo dos deputados do PSD, do PS e do BE – que apresentaram várias propostas sobre esta matéria em 2012 e consensualizaram as suas ideias num único projeto – é acordarem sobre estas alterações e votarem-nas no grupo de trabalho já para a semana de modo a conseguirem levar à votação em plenário o projeto de lei antes das férias do verão. Caso isso aconteça, e caso a lei seja promulgada pelo Presidente da República, será possível já este ano às mulheres sem útero ou com problemas neste órgão que as impeça de engravidar, recorrer à gestação por substituição.