“Dois médicos debruçados sobre a cabeça. Dá a impressão que estão a perguntar ao falecido o que aconteceu”. António Luís Campos, assinou, em 2007, um trabalho sobre ciências forenses. Portugal, via Estados Unidos da América, descobria que havia respostas para todas as perguntas. Dentro da caixa (a televisão), a série CSI, Crime Scene Investigation, encontrava todas as agulhas de todos os palheiros em três tempos: conhecimento, inteligência e … ciência. António Luís Campos foi ver como era fora da caixa. Encontrou a realidade tal e qual ela é. A título de exemplo: “os resultados dos testes de ADN não ficam concluídos em duas horas, mas sim em dois dias”.
A investigação jornalística conduziu o repórter a morgues e laboratórios. E foi aí, nesse lugar onde a vida acaba e as dúvidas começam, que deu com o cenário do fim do mundo. Dois médicos, para quem a morte faz parte do trabalho, iniciaram a autópsia. António preparou-se para o pior. Não tem problemas em admitir que foi “uma das situações mais difíceis de fotografar”.
A fotografia que hoje mostramos, e que está em exposição na reitoria da Universidade do Porto, foi tirada em Coimbra, no ano de 2007. Não foi selecionada pelo editor. Para o fotógrafo é uma das que melhor retrata o momento: “por vezes a nossa opinião não coincide”.
Dois anos mais tarde, a National Geographic entrou em Albufeira pela objetiva de António Luís Campos. Dessa vez a missão ia ao encontro de bancos genéticos e da consanguinidade de espécies em cativeiro. Enquanto os especialistas aprofundavam o estudo, a máquina, nas mãos do homem, fotografou, entre outras coisas, laços de ternura. Eis o que diz António: “é uma imagem de uma tratadora e de um golfinho. Eu estava do lado de fora do tanque, ia disparando e de repente fico com a ideia de estar a presenciar o beijo da sereia”. A fotografia, com este significado particular, sairia de Albufeira como as outras, mas não chegaria ao papel da revista: “qual é minha reação? Depende. Há imagens em que compreendo porque é que é uma e não é outra. Há casos pontuais em que fico com pena”.
Gonçalo Pereira, diretor da National Geographic Portugal, já escreveu a propósito de fotografias não publicadas e deu-lhe o elucidativo título “A edição ingrata e o talento do António”. O diretor chega mesmo a falar em dez anos de dilemas: “de escolhas entre o bom e o óptimo. De materiais estupendos por vezes excluídos somente para evitar redundâncias no nosso processo de story-telling”.
Natureza e ciência continuam de mãos dadas nesta exposição. No Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, onde existe um dos maiores reservatórios subterrâneos de água doce de Portugal, por entre galerias e poços, a National Geographic trouxe também a público o tamanho da solidão de uma investigadora no exercício das suas funções. A espeleologista procurava uma nova espécie. O fotojornalista voltou a encontrar motivos de reportagem e de sobra.
Ao passar a última década em revista, António Luís Campos destaca um artigo sobre a surdez, mais concretamente sobre implantes cocleares. Um trabalho com “crianças que nascem surdas e passam a ouvir. Nós seguimos uma família desde o pré-operatório”. O processo durou quase dois anos. A imagem capta o momento em que uma menina de quinze meses consegue ouvir pela primeira vez na vida. É o momento em que o repórter, também ele, sente que conseguiu fazer a diferença. Depois de o artigo ter sido publicado, “os médicos receberam dezenas de casos de crianças com o mesmo problema”.
Uma das “histórias mais épicas” aconteceu na Serra da Estrela, no Centro de Limpeza de Neve: “ter uma estrada limpa é um trabalho muito duro. A temperatura pode chegar aos vinte graus negativos. Fomos lá quatro dias no inverno e voltámos no verão”.
O triunfo das situações improváveis
A história da fotografia gastava os últimos metros de filme. No ano de 2003, em plena revolução digital, um engenheiro electrotécnico, com emprego numa empresa de parque eólicos, descobriu algo que não era suposto existir no sul da Europa: aphontopus hyperantus. Estamos a falar de uma borboleta, mas não estamos a falar de uma borboleta qualquer: “É a borboleta bombardeira. Larga os ovos em pleno voo. Era conhecida no norte da Europa”. António Luís Campos encontrou-a no Parque Natural de Montesinho durante uma expedição com investigadores amadores. Bombardeou o director da National Geographic com a notícia, o achado.
O director quis ver para querer e pediu uma fofografia. É nessa ponta de filme que a vida dá a volta e que aparece o fotojornalista. E com ele o princípio da exposição patente na reitoria da Universidade do Porto até ao fim de julho. Daí em diante aconteceu esse admirável novo mundo digital. “Aprendi a fazer tudo sozinho na fotografia. O mundo não tem de ser muito distante. As pessoas não imaginam as coisas bonitas que existem”. António não está nada arrependido do futuro, antes pelo contrário, se bem que “há certos períodos e interrogações metafísicas”, diz, entre sorrisos.
Fotografias escritas
Teclas que disparam como se objetivas houvesse entre a realidade e o texto. António também faz prosa nas páginas da edição portuguesa da National Geographic. Em junho atira-se com tudo, fotografia e mancha de texto, a uma história de mediatismo imberbe, quase nulo, mas que já tem barbas: o caso Afonso de Alburquerque. Não é o segundo vice-rei português na Índia quem está retratado no Museu Nacional de Arte Antiga. Afinal a barba é postiça. E afinal, não sendo Afonso de Albuquerque, o artigo revela que quem lá está é Lopo Soares de Albergaria, o vice-rei que lhe sucedeu: “O Estado Novo mandou pintar as barbas. Não é caso único”. António Luís Castro, 37 anos, com uma década para contar, diz ter chegado à fotografia devido ao fascínio pela técnica e pela estética. Por estes dias anda a mostrar o que está para lá do trabalho visível, para lá das páginas.