Fala-se de quem ganhou o Euromilhões na sexta-feira. Foi um espanhol. Só um. Se tivesse sido um português, dividia o prémio, ouve-se.
“Somos o melhor povo do mundo.”
“Ah somos? Então vê lá se ligas a televisão às cinco para ver o melhor do mundo a jogar”, diz uma mulher que entrega o seu boletim do Totoloto.
“Quem? O Ronaldo? Os alemães até tremem”, ironiza o homem atrás do balcão.
Na Casa da Sorte, no Rossio, em Lisboa, as conversas alternam esta manhã entre a sorte e o azar dos que jogam – aqui serão mais os azarados do que os sortudos – e a fortuna da seleção nacional, que esta segunda-feira entra em campo no Mundial 2014, em jogo frente à Alemanha. A poderosa Alemanha.
“Acho que não vamos ganhar. Nós temos um Ronaldo, eles têm onze”, comenta Joaquim, que trabalha num café na estação do Cais do Sodré. “Não podemos comparar o poderio das duas equipas. Portugal tem força de vontade e mais nada. Só isso não chega.”
Joaquim é dos que vai poder ver o jogo. Entrou ao serviço às 6h e sai às 15h, por isso já conta estar em casa às 17h, a hora do jogo. Apesar da hora a que chegou ao café, sente-se com sorte. Uma sorte que muitos portugueses não vão poder sentir.
Num rápido inquérito do Observador à saída do metro da Baixa-Chiado, são muitos os que respondem que, devido ao trabalho, não vão ter possibilidade de ver o jogo. “Não tenho forma nenhuma de conseguir ver” e “não tenho tempo, estou em época de exames” são algumas das respostas que ouvimos.
Ainda assim, há quem jure que vai ver o jogo e trabalhar ao mesmo tempo. E qual é a estratégia? Como Paulo Bento, ninguém a revela – estes portugueses apenas esboçam o sorriso de quem já tem tudo planeado.
Na Casa da Sorte há, contudo, um homem que não tem problemas em revelar a sua tática – só não quer é dizer o seu nome. “Vou fugir, arranjo uma estratégia: ‘Ai, tenho uma dor de cabeça, tenho de ir para casa'”, diz o vigilante de uma escola no concelho de Sintra.
treinadores de bancada jogam para o empate
A fuga ao trabalho “está estudada” mas não tanto como a melhor maneira de Portugal ficar no Mundial. “O empate hoje será muito bom. Passam Portugal e Alemanha com sete pontos, porque ganham mais dois jogos, mas o Gana e os Estados Unidos não são fáceis”, explica. E para empatar com os alemães, como se faz? “Temos de esperar a reação deles, não podemos entrar para ganhar nem jogar à defesa. É tudo uma questão de estratégia, procedimento e técnica.”
Jogar para o empate é arriscado, mas o resultado em si até nem seria muito mau, pelo que nos foi dito. “Se empatarem já se podem dar por muito felizes”, comenta um empregado de um outro café do Cais do Sodré. “Portugal não tem nada, nem um ponta-de-lança sequer que marque golos. A equipa é muito fraquinha, comparada com a seleção de 2004.” Então e Cristiano Ronaldo? Um encolher de ombros é a resposta.
Por seu turno, Joaquim, taxista lisboeta, refere-se ao capitão da seleção para dizer que não quer falar dele. “Só se fala do Ronaldo, estão lá mais 22 desgraçados e nem se fala deles”, indigna-se, perante a discordância de João, também taxista. “Isso é treta”, diz. Aliás, ele não quer falar nem de Ronaldo nem de nenhum dos outros. Ganhar “é bom para eles, não é para nós. Veja bem: chegou o primeiro comboio e não saiu daqui um carro [táxi]”, queixa-se. Joaquim contrapõe: “Você não ganha dinheiro, mas já que não se ganha mais nada, ao menos o futebol que nos ponha lá em cima.” Apesar disto, também ele acha que o jogo desta segunda vai dar empate.
“O empate já não era mau”, voltamos a ouvir, desta vez da boca de Miguel, rececionista de um hostel na Rua do Ouro, na Baixa lisboeta. Esta unidade de alojamento tem atualmente cinco alemães lá hospedados, de entre uma clara maioria de nórdicos. No terraço do hostel vai haver transmissão dos jogos do Mundial em direto. Mundial esse que, afirma Miguel, já tem o resultado escrito. “Isto está feito para o Brasil ganhar.” E Portugal pode chegar às meias-finais, acredita. “Mas até era bom não ganharmos hoje. Nós temos esperança, sofremos, sofremos… mas se ganharmos o grupo com nove pontos [vencendo todos os jogos], a moral sobe e pronto… já não jogamos nada”, remata. Esperemos que seja ao lado.