A história entre Jürgen Klinsmann e os Estados Unidos não é de agora. O alemão é selecionador daquele país desde 2011, mas foi no início dos anos 80 que essa paixão despertou. Klinsmann era então um jovem avançado do Stuttgarter Kickers, uma equipa que se deslocou até à Florida para mais um estágio. Segundo um artigo do New York Times, tanto Klinsmann como um companheiro de equipa ficaram fascinados e, assim que regressaram à Alemanha, compraram bilhetes de regresso. Quase dez anos depois, numa altura em que atuava no Inter, o avançado conheceria a sua futura mulher, Debbie Chin, uma modelo norte-americana com quem teria dois filhos com dupla nacionalidade. Foi aí que tomou uma decisão para o futuro: viveria na California, perto da família de Debbie. É onde vive hoje.

Os Estados Unidos mudaram a sua fórmula ao contratar Klinsmann, pois sempre confiaram no seu sistema, na sua gente para formar e evoluir o desporto do país. A derrota na final da Gold Cup contra o México em 2011, por 4-2, ditaria uma mudança dos ventos. Bob Bradley saía e entrava o treinador alemão, que já contava com experiências no Bayern Munique e na seleção alemã, com que disputou o Campeonato do Mundo-2006, no qual caiu apenas no prolongamento das meias-finais contra a futura campeã do mundo Itália.

Klinsmann iria receber o triplo de Bradley e tornava-se assim no primeiro não-americano a treinar a seleção em 16 anos. Os desafios eram muitos, entre eles mudar a mentalidade do futebol norte-americano. As forças de bloqueio eram, naturalmente, muitas. “Ele é um europeu com sensibilidade americana. (…) Escutem, isto não é a NFL [futebol americano]. A história do desporto [futebol] não está na América. Está de onde ele vem, na Europa. Isso é algo que as pessoas têm de entender”, disse na altura Tim Howard, o guarda-redes titular dos EUA. Afinal, falávamos de um homem que havia vencido o Campeonato do Mundo em 1990, o que antecedeu o Mundial organizado pelos EUA em 1994. Inconformismo e vencer eram duas coisas que lhe corriam nas veias. Ainda correm…

MUDANÇA DE MENTALIDADE

Esta é uma seleção que chegou às “meias” no primeiro Mundial da história (1930) e que chegou aos “quartos” em 2002, mas a atenção mediática é agora outra. Se há algo especial num projeto relativamente novo — vamos assumir que o futebol nos EUA é isso, “um projeto novo” — é a criação de uma identidade. As decisões. A definição do caminho é tão entusiasmante como caminhá-lo. E Klinsmann, qual ponte entre a Europa e os Estados Unidos, começou a encurtar distâncias entre as culturas. Primeiro, implementou estágios para valentes tareias físicas. O primeiro, que aconteceu apenas seis meses depois de assumir o cargo, foi em Phoenix, sob um calor implacável. “Senti que mal tocámos na bola durante a primeira semana e meia”, contava Graham Zusi.

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Outra estratégia para injetar competitividade foi resgatar futebolistas que cresceram na Alemanha e que tinham um parente americano, pelo que assim poderiam jogar pela seleção. Exemplos disso, que estão hoje na equipa do Mundial, foram John Brooks, Fabian Johnson, Tim Chandler, Julian Green e Jermaine Jones. Ter jogadores habituados ao ritmo, intensidade e velocidade do futebol alemão trazia outras valências para a sua equipa e ele sabia-o de cor e salteado.

Klinsmann não gostava da mentalidade do futebol norte-americano. Para ele, os EUA só aguardavam organizados pelo adversário e iam reagindo. Ele queria mudar, queria mais protagonismo. O alemão pretendia ver a defesa mais subida e os avançados a pressionar mais à frente. O ADN e as ideias são de campeão, lá isso ninguém lhe tira. “Queremos jogar um jogo aberto. Queremos colocar o nosso selo no jogo”, chegou a dizer.

O seu primeiro feito chegou em 2013, quando venceu a Gold Cup contra o Panamá (1-0): marcou Brek Shea. A seguir, garantiria a presença da sua seleção no Campeonato do Mundo no Brasil.

ESTILO DE JOGO

Um artigo do Wall Street Journal decidiu comparar as seleções de Bradley e Klinsmann contra o mesmo adversário — México (2011 vs. 2013). Esta interessante análise baseou-se em quatro pontos: destino dos passes, posicionamento dos jogadores, jogadas a partir de trás e a distância entre os defesas.

Comecemos pelo mais palpável: embora ambas as equipas tenham registado 48% de posse de bola, a de Klinsmann fez mais 31% de passes (aumento de 734 para 964). Todos sabemos que todos os jogos são diferentes, pelo que é difícil agarrar num exemplo e torná-lo como a verdade absoluta, mas não deixa de ser um bom exercício.

Quanto ao destino dos passes pode verificar-se que com Bradley os EUA eram muito mais verticais. O posicionamento dos jogadores convidava a isso. Com Klinsmann pode observar-se uma maior ligação entre setores, de que beneficiou um outro tipo de posicionamento dos jogadores, mas já lá vamos. Com o alemão, os centrais começaram a jogar mais entre si, numa clara mensagem de que querem mandar no jogo.

O posicionamento dos jogadores é, obviamente, chave nesta história. Bradley pretendia ver uma equipa mais encolhida, para que pudesse estar compacta na hora da perda da bola. Klinsmann prefere ver os jogadores mais afastados para ocupar uma área maior no relvado. A maior interação dos laterais é algo gritante nesta análise, o que demonstra a mudança de mentalidade. Klinsmann quer vê-los mais subidos para dar apoio ao meio-campo e haver outras soluções para sair a jogar de trás.

Também ao nível da construção de jogo houve mudanças profundas. A imagem do artigo deixa perceber que Tim Howard tem muito mais protagonismo hoje em dia, pois as suas jogadas começam com os jogadores que estão mais perto. Com Bradley insistia-se mais no futebol longo, para evitar dissabores perto da baliza. O risco está inerente a estas mudanças, claro, mas é assim que as equipas crescem e se impoem.

Finalmente, o posicionamento da defesa. Já vimos que a subida dos laterais é importante para outras soluções na hora de construir e até para chegar mais à frente no ataque, mas a posição dos defesas centrais têm um peso nuclear nesta história. É que, ao estarem mais afastados, podem assumir o jogo e fazer correr o pobre avançado que os pressiona, mantendo assim a posse de bola. Ao se afastarem empurram os laterais para terrenos mais subidos. A natureza da equipa ficou mais ofensiva. É notório. Bradley era anti-risco. Basta ver como funcionam as equipas na NBA ou na NFL: cada jogador tem outro para marcar ou bloquear, funcionando apenas por estimulo. Klinsmann não quer uma equipa formatada dessa forma. Quer mais.

Vejamos estes dados que deixam clara esta mudança de filosofia e consequente evolução: na Gold Cup-2011, a equipa de Bradley marcou nove golos em 90 remates, sendo que apenas 27 deles foram à baliza — perdeu dois dos seis jogos da competição, entre eles a final; com Klinsmann os EUA marcaram 18 golos em 98 remates, sendo que 48 deles foram à baliza — venceram os seis jogos, entre elas a final contra Panamá. Os números estão à vista. Rui Patrício que se cuide…