Paulo Portas fala esta sexta-feira pela primeira vez sobre a compra de dois submarinos ao consórcio alemão GSC, numa altura em que passam dez anos sobre a assinatura do contrato.
A aquisição de submarinos é um dos contratos de reequipamento militar em análise na comissão parlamentar de inquérito a compras na área da defesa, constituída na sequência de pedidos do PCP e BE.
Portas tem sido perseguido nestes dez anos por suspeitas relacionadas com aquele que foi o maior contrato de reequipamento militar já feito (763,3 milhões de euros). “Sempre que há eleições, os submarinos emergem”, comenta-se, de forma repetida, no Largo do Caldas. O líder do CDS falou uma vez à justiça sobre este caso, mas na qualidade de testemunha.
A par com o contrato de aquisição, existe um contrato de contrapartidas no valor de 1.200 milhões de euros, cuja execução terá sido de apenas 30%.
Para se defender, Portas deverá alegar o caos em que se encontrava tudo o que era contrapartidas de reequipamento militar em Portugal. Esta semana, em audições na mesma comissão de inquérito, os ex-ministros de António Guterres, que antecederam Portas, Júlio Castro Caldas e Rui Pena, referiram que as contrapartidas eram “um pântano” e admitiram pressões das várias partes concorrentes.
Castro Caldas sublinhou, em particular, o caso dos helicópteros EH101, considerando ter havido pressões “inadmissíveis”. Estes aparelhos acabariam por ser comprados pelo seu sucessor imediato, Rui Pena, que, na sua audição, explicou que tecnicamente os helicópteros por si escolhidos eram superiores.
Portas tem outro argumento que deverá usar no caso dos submarinos: o de que até tomar posse a proposta que existia era para comprar três submarinos e que foi com o seu Governo que foi decidido comprar dois.
A comissão de inquérito foi constituída na sequência de pedidos do PS e do PCP, que queriam investigar todos os concursos assinados por Portas. A maioria PSD-CDS concordou, mas alargando o âmbito de análise ao período de governação socialista.
Submarinos nos tribunais
O processo em que Portas foi ouvido como testemunha em abril tem oito anos e resulta de um certidão extraída do caso Portucale. Investiga suspeitas de pagamento de luvas a funcionários portugueses por parte do consórcio alemão que vendeu os dois submarinos.
Segundo o Público, referência às suspeitas que o Ministério Público tinha sobre Paulo Portas estavam patentes em várias cartas rogatórias mandadas para a Alemanha, a Suíça e o Reino Unido, mas mesmo assim a antiga directora do DCIAP, Cândida Almeida, assegurou várias vezes que não tinham sido “recolhidos indícios da prática de ilícito de natureza criminal” por parte de Paulo Portas “no processo dos submarinos”.
Em 2013, foram constituídos novos arguidos: o presidente da Escom, Hélder Bataglia, e dois administradores desta empresa do Grupo Espírito Santo, Luís Horta e Costa e Pedro Ferreira Neto, que prestaram assessoria ao consórcio alemão, a par de um consultor que trabalhou para os alemães, Miguel Horta e Costa.
As referências ao BES vieram a lume esta semana na audição na comissão parlamentar de inquérito pela voz do ex-ministro Castro Caldas, que disse que havia um claro “conflito de interesses” de empresas do Grupo Espírito Santo que assessoravam ao mesmo tempo o vendedor, o consórcio GSC, e o comprador, o Estado português, no processo de financiamento.
A justiça alemã condenou em 2011 dois ex-executivos da Ferrostaal a dois anos de prisão, com pena suspensa, e ao pagamento de coimas por suborno de funcionários públicos estrangeiros, na venda de submarinos a Portugal e à Grécia. Mas este caso não levou à constituição de arguidos em Portugal.
A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, contudo, confirmou ao Parlamento em maio que o Ministério Público está a investigar a compra dos submarinos, torpedos e Pandur, feitas em 2004 e 2005 por Paulo Portas, mas isto acontece na sequência de auditorias do Tribunal de Contas.
Pandur e torpedos em análise
Foram três os contratos de reequipamento que Portas assinou nos três anos em que esteve no cargo de ministro da Defesa entre 2002 e 2005. Para além dos submarinos, comprou 260 viaturas Pandur (que vieram substituir as velhinhas chaimite) e torpedos.
A empresa austríaca Steyr comprometeu-se, em 2005, a fornecer 260 viaturas Pandur II, com opção de compra de mais 33 viaturas, num contrato de 344 milhões de euros. O processo da PGR foi aberto na sequência de uma auditoria do Tribunal de Contas que levantou suspeitas sobre os contornos da escolha da empresa Styer. Houve reclamações das duas empresas excluídas.
O contrato de 24 torpedos destinava-se a equipar os submarinos. Por sinal, o contrato de contrapartidas associadas aos torpedos foi cancelado pelo ex-ministro da Economia de Passos Coelho, Álvaro Santos Pereira, dias antes de sair do Governo numa remodelação governamental em julho do ano passado – a mesma em que Portas ascenderia a vice-primeiro-ministro. A seis meses de terminar o contrato, nenhuma contrapartida no valor total esperado de 46,5 milhões de euros tinha sido executada.
O que são contrapartidas
As contrapartidas são negócios que os fornecedores de equipamento militar garantem prometer a empresas do país comprador. O valor acrescentado nacional (VAN), que mede a incorporação da indústria nacional, tem sido o principal critério de valorização dos projectos em Portugal. As contrapartidas na União Europeia são atualmente aceites para o setor da Defesa e não para as áreas civis.
A real execução das contrapartidas tem sido difícil de controlar por parte do Estado português. Foi criada uma comissão de contrapartidas que começou por funcionar junto do Ministério da Defesa e que hoje está na dependência do Ministério da Economia.