Alô Dunga, bem-vindo de volta. O nome não engana. Se o disser em voz alta, com sotaque de português do Brasil, muito menos. Há dúvidas? Pelo sim, pelo não, a prudência nunca é demais — na terça-feira, a seleção brasileira trocou pela 54.ª vez de treinador. E, pela 53.ª vez, não houve novidades. Carlos Verri, ou melhor, Dunga, como manda a sua alcunha, sucedeu a Luiz Felipe Scolari e manteve uma regra: o escrete não recebe ordens de um seleccionador estrangeiro.
Ou seja, é tradição. Não, errado, é mesmo regra, porque nas tradições não há espaço para exceções. E na seleção brasileira já houve uma. Sim, entre os 41 treinadores que viram o Brasil jogar desde o seu banco de suplentes, só um deles tinha uma nacionalidade diferente. Chamava-se Jorge Gomes de Lima.
E aqui já não é preciso sotaque. Os três nomes são de português, um tal nascido a 7 de janeiro de 1904, em Lisboa. É isto que interessa, o local de nascimento — pois Jorge não ficaria durante muito tempo em Portugal. Terá viajado, ainda criança, para o Brasil, onde só parou em São Paulo. Foi por lá que se licenciou em Educação Física, na Escola do Estado de São Paulo, já no inicio da década de 40.
Talvez antes de 1942. Pois aí já era árbitro (antes tinha sido jornalista e locutor de rádio). E, a 24 de maio desse ano, foi dele o apito que deu ordens na partida em que Leônidas se estreou a jogar pelo São Paulo (3-3, contra o Corinthians) — avançado que, em 1938, fora o melhor marcador do Mundial, com 7 golos apontados pela seleção brasileira. No ano seguinte, largaria o apito.
Em 1943, o São Paulo chama-o. O clube precisava de um treinador. E lá vai Joreca, alcunha pela qual ficou conhecido. O português fica no clube paulista até 1947. São quatro anos feitos com 166 jogos, que se distribuem por 109 vitórias, 31 empates e 26 derrotas. Em 1943, 1945 e 1946 conquista com a equipa o campeonato paulista. Mas não são estes números que interessam.
Pelo meio, em 1944, há outra equipa que o chama — é a seleção brasileira. E lá foi Joreca de novo, desta vez com companhia: o treinador português pega no voltante do escrete com Flávio Costa, este sim brasileiro. A duplta orienta a seleção em dois encontros, ambos frente ao Uruguai. No primeiro, no Rio de Janeiro, vence por 6-1 e, no segundo, há mais uma vitória, desta feita por 4-0, em São Paulo. Seriam os únicos jogos que a seleção canarinho realizaria em 1944.
Quando o ano dobrou a esquina, Joreca já não estava lá, e Flávio Costa ficaria (até 1950) sozinho no comando da versão futebolística do Brasil. Era ele, aliás, que treinava o escrete que perdeu no Estádio Maracanã, no Rio de Janeiro, a final do primeiro Mundial que acolheu. Contra quem? O Uruguai, por obra da coincidência.
Terminada a aventura no São Paulo, Jorge Gomes de Lima foi para o lado rival da cidade. Em 1949, o português treina o Corinthians e vence 28 dos 52 jogos que cumpre ao serviço do clube. A 5 de dezembro desse ano, o fim — Joruca morre, vítima de um ataque cardíaco. Com 45 anos, terminava a história do único português a treinar a seleção brasileira. E, já agora, do único estrangeiro que o fez a sério.
Houve apenas mais um estrangeiro a dar ordens no banco do escrete — e logo um argentino. Foi a 7 de setembro de 1965, na inauguração do Estádio Mineirão, em Belo Horizonte. Nada de sério, insistimos. Porquê? Na altura, a Confederação Brasileira dos Desportos (antecessora de atual Confederação Brasileira de Futebol) convidou o Palmeiras a ‘preencher’ a seleção brasileira.
Ou seja, a equipa completou-se apenas com jogadores do Verdão. E não só: também o treinador foi convidado a ser seleccionador por um dia. E lá foi Filpo Nuñez para o banco do escrete. Moral da história. Jorge Gomes de Lima, ou Joreca, para os brasileiros, foi um dos dois únicos estrangeiros a treinarem a seleção brasileira. E sem convites ou equipas mascaradas de escrete, foi mesmo o único.