É a pretexto das perdas divulgadas esta semana de 3,57 mil milhões de euros, registadas pelo BES no primeiro semestre, que o jornal espanhol El País se aventura numa análise do que designa por “malha dos negócios do grupo familiar”. A família é, claro, a Espírito Santo, cujos negócios — anota o El País — vieram “golpear o início da recuperação económica” em Portugal: “A derrocada do BES arrasta boa parte do tecido empresarial do país. A curto prazo, as empresas portuguesas vão ter mais dificuldades em financiar-se”.

Um a um, o jornal identifica os que crê serem “pecados capitais” dos Espírito Santo. Vejamos quais, ponto a ponto:

  • Uma mesma direção para tudo. O primeiro dos pecados, tendo origem na família, tem implícita uma crítica ao Banco de Portugal. “Tentou convencer o mundo que uma coisa era o BES, outra o Grupo Espírito Santo. Esforço inútil”, anota o jornalista, “quando Ricardo Salgado era presidente executivo dos dois”. Os males do segundo prejudicaram o primeiro. Mas as consequências desse poder total de uma única pessoa vão arrastar os restantes membros da família, encarregues de cada uma das sociedades e holdings do Grupo, lê-se no texto.
  • Evitar a entrada do Estado em “todas as coisas”. “Desde o início da crise o BES fez três aumentos de capital, sempre com dinheiro privado, forçando o endividamento das empresas da família para maner o controlo do banco”, anota o texto. O argumento, recorda também, era o de recusar ajudas do Estado, por trauma da nacionalização de 1974. “A realidade era que o dinheiro público dava direito a fiscalizar as contas e isso a família não podia permitir. Acabar-se-ia o uso do banco em benefício dos seus negócios”, lê-se ainda. Com isto, ninguém soube das verdadeiras contas até o Banco de Portugal ter entrado lá.
  • Burlar a CMVM. Neste ponto é citado Carlos Tavares, presidente da CMVM, quando foi ao Parlamento dizer que foram abertos 20 processos sobre entidades do GES nos últimos anos. “A CMVM e o BES jogavam ao gato e o rato”, anota o jornalista. O regulador “advertia que a venda de títulos de dívida aos clientes era irregular e o banco retirava-a, mas fazia o mesmo de outra forma”, com “subterfúgios”. Agora vêm aí os processos dos clientes, conclui o texto.
  • Burlar o Banco de Portugal. As contas do semestre são “um rosário de anomalias”, entre as quais se conta que “Salgado contrariou as ordens do supervisor central”: em vez de reduzir a exposição do BES à dívida do Grupo, fez o contrário. Fez também transções não autorizadas pelo Banco de Portugal. Ao ponto de levar Carlos Costa a denunciá-lo com nome e sem hesitação.
  • Relações “extremamente perigosas” com Angola. A descoberta de 5,7 mil milhões de empréstimos do BES Angola sem a devida informação dos credores (“às vezes nem do seu nome”) levam o El País ao pecado seguinte. Que levará o banco a perder a maioria do capital do banco, na melhor das hipóteses.
  • Relações “extremamente perigosas” com a PT. O caso da dívida da RioForte, em pré-insolvência, comprada pela PT não passa despercebida na análise do jornal espanhol. Sublinhando os 10% que o BES tem da empresa e os nomes na direção apontados por Salgado. “A obscura operação faz-se em abril, mas só se descobre em junho”. As consequências são conhecidas: menor participação da PT na empresa que resultará da fusão com a Oi. Ou talvez não todas: “Rolaram algumas cabeças, mas poderão rolar mais”.
  • Enganar os clientes. “Para financiar as empresas da família, o banco vendia dívida do GES”, lembra o El País. Agora, uma associação de clientes vem reclamar os prejuízos. “Vêm aí diversos processos judiciais em diversos países, especialmente duros os que se prevêm dos fundos norte-americanos”, alerta o jornal.
  • Favorecer outros clientes. “O novo auditor, a PWC, encontrou em 15 dias mais coisas que a KPMG num ano”, dispara o jornalista espanhol. “Entre os possíveis delitos bancários estaria o favoritismo, a gestão danosa e falsificação de contas”. Sobretudo o primeiro ponto: dias antes de entrarem os novos administradores, o banco recomprou a carteira de dívida do grupo a “alguns clientes preferenciais”, “por cima do preço de mercado”. As perdas, recorda o jornal, são de 1.500 milhões de euros. Se for provado o crime, “Salgado e o seu braço direito, Morais Pires, acabarão na prisão”, escreve o jornal.

No fim da lista vem a penitência. “Num mês, o BES passou de valor mais importante da bolsa a 14º. “A marca fede”, precisará de capital, mas nem o BPI tem tamanho necessário para resolver o problema. Seguem-se os fundos da troika, termina o El País. O plano para o banco será anunciado este domingo, pelo Banco de Portugal.

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