Não houve um argumento do Governo a favor da Contribuição de Sustentabilidade (CS) que tenha passado pelo crivo do Tribunal Constitucional. Para os juízes, a CS não era uma reforma, não tinha em conta a justiça inter-geracional, mais não fazia do que cortar na despesa, não tinha em conta as carreiras contributivas dos pensionistas nem o facto de alguns decidirem trabalhar mais do que o normal para poderem ter uma reforma melhor. Era, em resumo, uma medida sem uma “suficiente justificação” que pudesse valer a necessidade de ser considerada de um “interesse público prevalecente face à intensidade do sacrifício que é imposto aos particulares”.

Conclusão: a decisão dos juízes fecha ainda mais a porta a cortes futuros nas pensões que não sejam temporários.

A Contribuição de Sustentabilidade – que impunha um corte nas pensões com caráter duradouro – junta-se assim à medida de convergência dos sistemas de pensões nos cortes pelo TC. Até agora, as medidas que passaram, que cortavam no valor das pensões, foram apenas de caráter transitório e temporário: a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) e a CES agravada. Desta vez, apesar de começarem o acórdão a dizer que a CS era semelhante à CES, os juízes decidiram pela inconstitucionalidade. Aqui ficam os motivos:

1 – É medida definitiva – O Governo defendia no decreto-lei que esta era uma medida “duradoura” – evitou sempre usar a expressão definitiva – e que era menos gravosa que a CES. Ora é exatamente por ser definitiva que o TC recusa. Dizem os juízes que a CES passou por ser temporária e por ser uma “medida de natureza orçamental destinada a vigorar durante um ano e revestia uma natureza excecional e transitória diretamente relacionada com os objetivos imediatos de equilíbrio orçamental e sustentabilidade das finanças públicas, e apenas nesse pressuposto é que legitimou a sua conformidade constitucional à luz dos parâmetros decorrentes do princípio da proteção da confiança e do princípio da proporcionalidade”. Agora, era diferente. Além disso dizem que não se pode dizer que esta não era uma medida mais gravosa, até porque os escalões definidos são mais gravosos para os pensionistas dos escalões intermédios, apenas porque é nesses patamares que existem mais pessoas, logo a redução da despesa seria maior.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

2 – Não é uma medida estrutural – Depois de o Tribunal Constitucional ter chumbado a convergência dos sistemas de pensões (que levava a um corte de 10% nas pensões da Caixa Geral de Aposentações já em pagamento) e de ter dito que essa não era uma medida estrutural do sistema, o Governo apresentou a Contribuição de Sustentabilidade, que, ao corte nas pensões, associava um aumento da TSU e do IVA, argumentando que alargava assim a base de contribuição para a sustentabilidade da segurança social a ativos e a pensionistas.

Além disso, dizia o Governo, que esta era uma medida menos gravosa que a CES. Argumentos que não colheram apoio do TC. Dizem os juízes que, por um lado “não é o mero desagravamento das taxas aplicáveis que transforma uma medida típica de disciplina orçamental destinada a obter no imediato uma poupança na despesa pública (como era o caso da CES) numa medida estrutural que vise assegurar a sustentabilidade do sistema público de pensões a médio e longo prazo” e que nada garante que o Governo não venha a agravar mais tarde a base de incidência da CS.

Já quanto ao IVA e à TSU, os juízes arrasam esta solução. Dizem que não é a junção das três propostas que faz com que “seja possível conferir à contribuição de sustentabilidade o sentido de uma medida diretamente vocacionada para a sustentabilidade do sistema de pensões”. Até porque o IVA e a TSU são independentes da Segurança Social e o Governo pode alterá-los sempre que entender.

3 – Não responde ao anterior acórdão sobre a convergência de pensões – No seguimento do argumento anterior, os juízes dizem que não estavam a referir-se a uma solução deste tipo quando falaram em reforma estrutural do sistema aquando do chumbo do regime de convergência: “O acórdão apontou, nesse contexto, para a ideia de que a violação das expectativas em causa só se justificaria no quadro de uma solução sistémica e estrutural que fosse suficientemente abrangente. Não é seguramente essa a situação quando uma estrita medida de redução de pensões, sem ponderação de outros fatores, vem simplesmente acompanhada de medidas conjunturais de aumento de receita, ainda que por essa via se proporcione que outros estratos da sociedade contribuam para o orçamento da segurança social”, escrevem.

4 – Não tem em conta as carreiras contributivas – Os juízes ressalvam que o sistema de Segurança Social português tem uma natureza de que as contribuições do ano pagam as pensões do ano, mas que não pode ser alheio à carreira contributiva do cidadão, até porque é isso que conta para o cálculo da pensão. “A aplicação de uma taxa progressiva, variável em razão do montante da pensão, ainda que apenas em relação a certos escalões, é totalmente alheia às contribuições que os titulares das pensões outrora realizaram”.

5 – Não tem em conta os afetados por outras medidas – Os juízes descrevem todas as alterações aos regimes de pensões e concluem que esta medida não faz uma diferenciação positiva para as pessoas que já foram afetadas por outros cortes no cálculo da pensão. É o caso, por exemplo, dos pensionistas da Caixa Geral de Aposentações (CGA) que se reformaram depois de o regime de convergência estar em vigor (o TC só chumbou para os que já recebiam pensões na altura) e que sofreram corte de 10% no valor da pensão, mas também não diferencia, por exemplo o caso dos funcionários públicos que entraram depois de 2006 (estes já integraram a Segurança Social com regras menos favoráveis, porque foi impedida a inscrição de novos pensionistas na CGA).

6 – Não tem em conta quem decidiu trabalhar mais anos – Preto no branco: diz o TC que o Governo não pode prejudicar quem trabalhou além dos anos normais: “Ora, a contribuição de sustentabilidade, pretendendo afetar direitos adquiridos e, portanto, pensões já atribuídas, e produzindo uma redução definitiva das pensões em pagamento, a pretexto de uma alegada sustentabilidade do sistema, é inteiramente indiferente às situações diferenciadas dos pensionistas que, apenas porque abandonaram a vida ativa em momentos temporalmente diversos, se encontram já numa situação mais gravosa por efeito da evolução legislativa em matéria de pensões”.

7 – Não é justa para as gerações futuras – A justiça inter-geracional, que é defendida pelo Governo, é recusada pelo TC. No acórdão, dizem que a medida “não apresenta como um modelo de reforma consistente e coerente em que os cidadãos possam confiar” e além disso “é completamente indiferente quer ao esforço contributivo dos futuros pensionistas quer à redução que a pensão irá sofrer ab initio em consequência dessa evolução legislativa”.

8 – Não é uma reforma – A argumentação percorre todo o acórdão: para os juízes esta é apenas uma medida de redução da despesa e não tem qualquer caráter de reforma: “A mera redução do valor da pensão por aplicação de uma taxa percentual, à semelhança do que sucedeu com a antiga CES, não tem senão um efeito orçamental de diminuição de despesa a curto prazo sem qualquer capacidade de adaptação a modificações que, no futuro, resultem de alterações demográficas ou económicas. E a que o legislador apenas poderá responder, no futuro, na ausência de uma verdadeira reforma estrutural, por via de novas medidas conjunturais de agravamento da taxa ou de alargamento do universo dos destinatários afetados”.

A argumentação sobre esta medida fecha ainda mais as hipóteses de uma medida futura que corte em definitivo nas pensões já em pagamento. Os juízes dizem que esta medida viola o princípio da proteção da confiança e que não é justa.