João van Zeller está há muitos anos ligado à Escócia por razões familiares e por ter a paixão do golfe. Encontra-se por estes dias na região, em St. Andrews, e tem seguido com interesse e paixão as campanhas para os dois referendos de dia 18: o sobre a independência da Escócia e o que está a dilacerar os sócios do mais antigo e prestigiado clube do golfe do mundo, o Royal & Ancient Golf Club of St. Andrews (R&A), que terão de decidir se vão ou não permitir que mulheres possam entrar para sócias. Tem vindo a escrever um diário cujas últimas páginas, daqui até ao dia do referendo, partilhará com os leitores do Observador. Hoje uma nova entrada de ontem, 14 de Setembro, a quatro dias do referendo:

 

Apesar de a temperatura ter descido para os 10º C, St Andrews concluiu o dia de ontem calorosamente. Mais uma vez a cidade venceu o desafio que o Royal & Ancient Golf Club of St Andrews (R&A) lhe faz há 90 anos, um clube contra todos os outros. No Town Match deste ano, em que competiram um número recorde de 702 golfistas, distribuídos no mesmo dia pelos três campos mais difíceis de St Andrews (Old Course, New, e Jubilee), os clubes da cidade venceram o R&A pela pequena diferença de dois pontos.

É uma ocasião transversal, em que no final de cada partida de quatro jogadores, os dois do R&A convidam os adversários para almoçar, ou para umas bebidas no famoso Club House que domina o Old Course. Logo a seguir segue-se uma peregrinação pelos outros clubes, já que a reciprocidade tem de ser exercida, tudo no meio de alguma ingestão de whisky, todos procurando evitar qualquer abordagem contenciosa ao referendo.

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Ironicamente, os dois pontos de vantagem dos clubes da cidade sobre o R&A nesta competição são os mesmos que, numa das sondagens mais credíveis, dá hoje 2 pontos a favor do NO, Better Together em relação ao YES pela independência.

Para evitar emoções que perturbassem o swing, houve pouca conversa na minha partida. Mas obtive uma interessante informação. Além de um dos meus adversários ter confirmado que os cerca de 1.200.000 escoceses não residentes na Escócia não podem votar no referendo (o que inclui os membros escoceses das Forças Armadas britânicas estacionados fora da Escócia), soube que os 8.000 estudantes da Universidade de St Andrews, uma das mais prestigiadas e a terceira mais antiga do Reino Unido, a seguir a Oxford e Cambridge, sejam eles escoceses, ingleses, chineses, alemães, brasileiros, etc, desde que se tenham registado para o efeito, e sejam maiores de 16 anos, podem votar no referendo. É o caso desta, e das outras 14 universidades escocesas. De notar que cerca de um terço destes estudantes que podem votar são estrangeiros.

Quando a campanha do YES anuncia a intenção de desmantelar a base escocesa dos submarinos atómicos Trident da marinha britânica, foi irónico ter sido precisamente esta semana que em Leuchars encerrou definitivamente a importante base da RAF, Força Aérea Britânica, cujas pistas se situam na margem do Rio Tay, oposta à margem onde morrem os três principais campos de golfe de St Andrews. Foi imponente assistir ao reconfortante rugido do último vôo do Typhoon daquela base sobre St Andrews, acenando as suas asas Delta para, depois de uma arrojada acrobacia sobre a cidade, desaparecer entre as nuvens, para sempre.

A Igreja da Santíssima Trindade de St Andrews (século XIV), do rito protestante escocês mais extremo (além das imagens, não admite sequer um Crucifixo), estava à cunha, hoje, Domingo. O pároco, procurando manter-se equidistante em relação ao referendo, não o conseguiu, saindo-lhe numa mensagem subliminar um eloquente NO. E em Edimburgo, o Reverendo John Chalmers, líder da Igreja Escocesa, foi bem mais longe, fazendo um apelo emotivo e apaixonado pelo NO, Better Together. Não deixa de ser inesperado, já que a Igreja Escocesa é tradicionalmente progressista e nacionalista.

À saída da Missa a que assistiu hoje, a rainha, que tem mantido um silêncio sepulcral sobre o referendo, pronunciou palavras aparentemente suaves sobre o assunto, mas que pesaram como chumbo no drama do jogo político que se está a desenrolar: “espero que as pessoas pensem cuidadosamente sobre o futuro”. Para estas simples palavras da soberana terem podido ser consideradas como uma intervenção no debate, percebe-se como a corda das emoções e das razões está esticada.

Hoje as sondagens mostram como a Escócia se encontra no fio da navalha. O Observer dá 53% ao NO e 47% ao YES; um painel feito para o Sunday Times dá o NO com 50,6%, e o YES com 49,4%. Mas uma sondagem do ICM, feita para o Sunday Telegraph dá um resultado bem diferente: 46% para o NO, e 54% para o YES.

Na frente económica, grandes distribuidoras como o Marks & Spencer, Morrison’s e ASDA agitam a ameaça de significativa alta de preços no caso de a independência vencer o voto. E um estudo dado hoje a público prevê uma brutal queda das receitas do Mar do Norte, dos 10,1 biliões de libras em 2011-12, para 5,5 em 2013-14, e 3,7 biliões de libras em 2016-17, 40% abaixo das previsões da campanha pelo YES de Alex Salmond. Este, e outros factores fazem com que a estimativa das receitas totais do governo escocês em 2015-16 sejam de 50,4 biliões de libras, contra os 63,3 biliões de despesas públicas previstas.

Entretanto Alex Salmond, um apostador inveterado nas corridas de cavalos, mantém um discurso fortemente emocional, dando a volta e silenciando os argumentos racionais da campanha pelo NO. O que parece sobressair nesta altura da contenda é que quem nada tem a perder, quem só age pela emoção, tem vontade que Salmond vença, e vai votar YES, pela independência.

João Van Zeller é advogado e empresário