Fala devagar para atenuar a pronúncia escocesa. E o que gostava mesmo, confessa a deputada do Parlamento escocês Jackie Baillie, era conseguir falar português. Mas o pai, nascido em Macau administrado por Portugal, acabou por perder a língua quando decidiu ir viver do outro lado da fronteira, em Hong Kong. Foi aqui que conheceu a mulher da vida dele, uma escocesa de Glasgow, com quem teve três filhos.

Jackie foi uma delas. Cresceu ali, mas aos 11 anos era levada para Glasgow, na Escócia. As suas ligações a Portugal não se perderam. Tinha família a viver em Benfica (Lisboa), Leiria e Caminha. Mesmo se o pai já não conseguia ensinar-lhe o Português. Ela lembra-se da palavra “avó”, a mulher que cuidou dela quando os pais estavam fora a trabalhar.

“Uma multiculturalidade que contribuiu para o meu pensamento político”, afirma ao Observador.

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Jackie orgulha-se das suas origens

Aos 18 anos Jackie decidiu filiar-se no Partido Trabalhista. “Era o único que fazia frente a Margaret Thatcher”, a “dama de ferro” que se tornou a primeira-ministra mulher no Reino Unido. Na altura, frequentava a Universidade de Glasgow e mais tarde acabaria por conhecer o marido – com quem foi viver para Dunbarton, círculo eleitoral que representa atualmente no parlamento escocês.

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Os pais reformaram-se e compraram uma casa em Lagos, no Algarve. “Sempre adorei Portugal. Tudo. Além das cidades onde tenho família, gosto do Porto, de Óbidos”, diz. O pai faleceu e ela guardou a casa.

“Graças ao sol fico morena. Pareço mesmo uma portuguesa, o que é mau. Porque as pessoas esperam que fale português e eu não falo”.

A filha de Jackie tinha apenas cinco meses quando viajou para Portugal pela primeira vez. Passaram 22 anos e a deputada não perdeu um único verão em família no Algarve. “Conheço muitos deputados escoceses que vão de férias a Portugal e tenho muitos amigos que acabaram por mudar-se para lá”. Um casal amigo, segundo conta, abriu mesmo um restaurante em Almancil.

Uma vantagem, segundo diz, da União Europeia. “Permite-nos viajar sem constrangimentos e estabelecer-nos noutro país”. Uma possibilidade que a independência da Escócia não lhe ofereceria, pelo menos a curto ou médio prazo.

“Os meus argumentos vão no sentido de as pessoas votarem ‘Não’ porque o debate que se tem feito é um debate nacionalista e não progressista”.

A deputada chinesa, com nacionalidade escocesa e origem portuguesa, chegou ao parlamento quase por um acaso. “Eu fiz campanha pelo parlamento escocês por considerar que permitia trazer mais democracia aos escoceses, o poder político estaria mais próximo”. Acabou por ser eleita em 1999, quando o parlamento foi criado, mas sem nunca considerar que esse seria o princípio ou o caminho para um país independente.

“Eu trabalhava no poder local e lidava muito com o desenvolvimento económico. Procurava formar pessoas desempregadas para que elas encontrassem trabalho”, diz. Como deputada, também tem feito um trabalho mais social. Destaque para os temas do abuso sexual infantil ou do cancro.

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Jackie diz que o que gosta no seu trabalho é falar com as pessoas

Sempre acreditou na “cooperação” e acredita que “a Escócia continua a ser uma nação, mesmo pertencente a algo maior”. “Esta disputa tem sido uma desilusão. Devíamos focar-nos no que nos une e não no que nos separa”. As últimas sondagens preocupam-na. “93% dos possíveis eleitores estão registados para votar no referendo. Mas muitos são desconhecidos”. Ou seja, pessoas que nunca votaram antes e não queriam ter uma vida cívica ativa. Na sua área, por exemplo, há 10% de novos eleitores e que não correspondem necessariamente aos jovens entre os 16 e os 18 anos – exceção aberta para o referendo.

“Não sei qual o sentido de voto destes eleitores. Não é uma eleição normal. Por outro lado, o que importa aqui é o tema em discussão. E tenho visto trabalhistas que vão votar ‘sim’ assim como unionistas que vão votar ‘não’. É uma confusão total”.

A única mensagem que a deputada diz tentar pensar é de que “os eleitores pensem nas consequências económicas” de uma Escócia independente. “Os seus postos de trabalhos, os serviços públicos…”. Uma mensagem que tenta passar pelas vias normais do seu quotidiano: as redes sociais como o Facebook e o Twitter, um blogue e, ainda, uma página de internet oficial.

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Jackie em campanha pelo Partido Trabalhista

“E o que faz se ganhar o ‘sim’?”, “Mudo-me para Portugal”, afirma Jackie com uma gargalhada. “Aprendo a falar português e mudo-me porque adoro o País”. Depois de falar com o coração, a razão: “Fico e tento fazer alguma coisa. Eu adoro a Escócia, mas sou pela multiplicidade”.