O deputado e líder do PSD-Beja, Mário Simões, visitou esta terça-feira a Herdade dos Machados, onde esteve reunido com rendeiros e com Jorge Tavares da Costa, diretor-geral da Casa Agrícola Santos Jorge e um dos proprietários da Herdade. O social-democrata quis fazer um levantamento, no terreno, das queixas e reivindicações dos rendeiros, bem como das propostas dos proprietários para resolver uma situação que se arrasta há 34 anos. Mário Simões pretende apresentar no Parlamento um conjunto de recomendações ao Governo para travar a retirada de terras aos rendeiros, tal como o Observador noticiou esta segunda-feira.

Depois de ter estado reunido com os rendeiros, que mostraram a sua preocupação pela aproximação do prazo para entrega das terras pelos reformados (nas cartas que receberam da direção geral de Agricultura e Pescas do Alentejo pode ler-se que os contratos de arrendamento com o Estado português terminam no dia 31 de outubro deste ano) e pediram ao deputado que “fizesse alguma coisa”, Mário Simões deslocou-se aos escritórios da Casa Agrícola Santos Jorge, onde ouviu Jorge Tavares da Costa.

O diretor-geral desta sociedade agrícola mostrou-se desagradado com as declarações feitas pelo deputado do PSD ao Observador, esta segunda-feira. “Fiquei doido quando vi esta notícia”, disse Jorge Tavares da Costa. Mário Simões afirmou que o Estado já tinha indemnizado os proprietários pela expropriação das terras:

“Vamos clarificar de uma vez por todas. Isto não pode ficar ao sabor de cada Governo. As terras da Herdade dos Machados são do Estado. Sá Carneiro indemnizou a Casa Agrícola Santos Jorge”.

Jorge Tavares da Costa garantiu que os proprietários nunca foram indemnizados e fez referência a uma passagem de um livro de Rosado Fernandes em que este descreve um encontro com Sá Carneiro em 1980, onde o primeiro-ministro lhe terá confessado sentir-se “envergonhado de estar a dividir terras da Herdade dos Machados em Moura sem as ter pago”. Mário Simões assumiu o erro. “Fui induzido em erro quanto à indemnização que Estado teria pago à Casa Agrícola Santos Jorge”, disse, acrescentando que iria retificar a informação dada à comunicação social sobre esse assunto.

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O deputado do PSD questionou Jorge Tavares da Costa sobre as declarações do antigo ministro da Agricultura Capoulas Santos, que garantiu ao Observador, em agosto, que o seu ministério notificou a Casa Agrícola Santos Jorge, mas que esta “fugiu sempre” de fazer uma contraproposta de indemnização. “Creio que a Casa Agrícola resistiu o mais que pôde porque se aceitasse a indemnização perderia a terra definitivamente”, disse Capoulas Santos na altura. O proprietário disse não querer “exprimir-se” sobre o antigo ministro. Quando questionado por Mário Simões sobre se os proprietários aceitariam ser indemnizados pelo Estado, ou se admitiriam reunir as parcelas da propriedade para resolver a manta de retalhos que é a Herdade dos Machados, Jorge Tavares da Costa disse apenas: “O património não está resolvido. Não vemos isto com bons olhos até recuperarmos o património”.

A proposta que os proprietários da Herdade dos Machados fazem ao Estado passa pela mudança da posse dos contratos de arrendamento. “Ficamos com a posse das terras, mas com os rendeiros lá dentro”, disse Jorge Tavares da Costa. O deputado do PSD disse que essa solução “teria de ser condicionada pelo Estado”, uma vez que “os direitos dos rendeiros seriam colocados em causa”. O diretor da Casa Agrícola Santos Jorge ofereceu outra hipótese: “Porque é que o Estado não distribui os rendeiros pelas suas propriedades?”. E não deixou de insistir: “Não temos culpa. Somos os que têm menos culpa. Quem agiu mal foi o Estado”. Mário Simões concordou: “O Estado errou porque não indemnizou quem devia à época. É um problema que o Estado criou e que tem de resolver”.

O deputado lembrou que alguns dos rendeiros trabalhavam há décadas na Herdade dos Machados e também não receberam as indemnizações pelos anos de serviço. E criticou a forma como o processo tem sido conduzido. “O diálogo até hoje não existiu. Tem sido formal. Trocam-se cartas e exposições”, disse, defendendo que o Ministério da Agricultura deve convidar “uma personalidade isenta para falar com as duas partes”.

Referindo-se, ainda, às declarações de Mário Simões ao Observador, Jorge Tavares da Costa questionou o deputado: “Desde quando é que a palavra de um primeiro-ministro é considerada sagrada?”. O diretor da Casa Agrícola disse ainda que se Sá Carneiro fosse vivo estaria “arrependido” da situação criada nos Machados. O líder do PSD-Beja respondeu que considera sagrada “qualquer palavra de um primeiro-ministro”, acrescentou que esta “era uma questão sentimental” para a distrital do partido e defendeu que “há época, Sá Carneiro estava animado de boa-fé”.

Foi precisamente esse compromisso que defendeu junto dos rendeiros, que entregaram ao deputado uma cópia do despacho nº 274/80 do Ministério da Agricultura e Pescas, onde se determinou a “entrega imediata das parcelas de olival e figueiral”. “Acho que o Estado deve honrar palavra. Sá Carneiro dizia que vos entregava o terreno para ser trabalhado por vós e pelos descendentes. Estava assegurado o direito de transmissão”. Mário Simões sublinhou ser necessário “clarificar a situação para todo o sempre” e garantiu que o mais urgente neste momento é “trabalhar para que essa decisão de 31 de outubro esteja estancada para já”.

Em 1980, o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro dividiu cerca de 3.000 hectares em 338 lotes de terreno e entregou-os a 94 funcionários que passaram a pagar ao Estado uma renda anual para poderem explorar as terras em seu proveito. Esta foi a forma encontrada pelo líder social-democrata para pôr em prática uma Reforma Agrária “diferente da dos comunistas” e para compensar os trabalhadores pelos cinco anos em que a propriedade foi nacionalizada. Aos proprietários da Herdade dos Machados foram atribuídos 490 hectares.

A Reforma Agrária de Sá Carneiro criou uma manta de retalhos na Herdade dos Machados e deu origem a uma luta pela terra que dura há mais de 30 anos. De um lado estão os proprietários da Herdade dos Machados, que tentam chegar a acordos com os rendeiros para recuperarem os 6000 hectares. Do outro, estão os agricultores, que temem ser expulsos das terras onde trabalham. Todos acusam o Estado de, até hoje, não ter sido capaz de resolver a situação, pagando indemnizações a ambas as partes. O mais recente episódio dessas tensões são as cartas que o Ministério da Agricultura está a enviar aos rendeiros reformados para que estes devolvem as suas terras. O prazo para entrega dessas terras termina no dia 31 de outubro.