O plano nacional de combate ao desperdício alimentar, que vai ser apresentado nesta quinta-feira – dia em que se comemora o dia mundial da Alimentação -, vai limitar-se numa primeira fase, a sugerir incentivos fiscais às empresas com boas práticas. Para já, não haverá legislação neste sentido, uma vez que o Governo não a considera “oportuna na atual situação económica nacional”, disse Nuno Vieira e Silva, secretário de Estado da Agricultura, em declarações ao Observador.

Mas há novidades no documento que é apresentado esta quinta-feira e que o Observador teve acesso.

  • Vai ser criada uma Plataforma Nacional de Conhecimento sobre o desperdício alimentar, que estude e colija a informação relevante sobre esta matéria” e a introdução do tema nos programas escolares. 
  • Após uma análise ao volume de desperdícios alimentares em Portugal, “com base em estudos científicos nacionais e internacionais”, Nuno Vieira e Silva diz que o setor “mais significativo” e que mais necessita de intervenção é o da produção.

O plano que vai ser apresentado nesta quinta-feira apresenta seis áreas de intervenção que vão desde a fase de produção às casas dos portugueses: aposta em mercados de proximidade, sensibilização do consumidor, parcerias entre as cadeias de distribuição, entre outros casos.

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  • “Um dos processos legislativos que está em curso é o dos mercados locais”, contou o secretário de Estado da Alimentação, lembrando que a aposta em mercados de proximidade é um dos eixos principais do plano. Com esta nova legislação, os produtores agrícolas vão poder escoar os excedentes de colheita para o consumidor local. Isto vai-se aplicar a “casos de frutas e vegetais que não tenham interesse comercial para grandes superfícies – por alguma razão -, mas que possam ser comercializados em mercados locais.”
  • “Explorar, em conjunto com as partes interessadas, o estabelecimento de mercados para ingredientes ou produtos intermédios e alimentos que não sejam utilizáveis por razões de qualidade, mas que cumpram todos os requisitos legais de higiene e segurança alimentar”.

Como meta final do plano, Nuno Vieira e Silva afirma: “Queremos o desperdício zero, uma meta ambiciosa de facto, mas seria o cenário desejável.”

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Andreia Reisinho Costa

Em julho, secretário de Estado já tinha falado sobre a possibilidade de conceder incentivos fiscais a empresas com boas práticas de combate ao desperdício alimentar, em declarações ao jornal Público. Nuno Vieira e Silva confirmou ao Observador que a ideia de que “as boas práticas [das empresas] possam ser reconhecidas por incentivos fiscais” esteve em cima da mesa e que esta foi uma das recomendações dos responsáveis da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que fizeram parte do grupo de reflexão para a constituição do plano nacional.

Ainda assim, de acordo com o documento que vai ser apresentado nesta quinta-feira, essa possibilidade mantém-se aberta. Uma das sugestões a aplicar no futuro passa por: “Privilegiar, ao nível dos contratos públicos, empresas com responsabilidade social e boas práticas de combate ao desperdício implementadas, preservando a segurança alimentar.”

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Andreia Reisinho Costa

(Segundo o PERDA, todos os anos são desperdiçadas 332 mil toneladas na produção agrícola, 77 mil na indústria, 298 mil nas redes de distribuição (por exemplo, os supermercados) e 324 mil nas casas das famílias portuguesas, perfazendo o valor total de 1031 mil toneladas.)

Hélder Muteia, representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura em Portugal, instituição que fez parte do grupo de reflexão do plano, assegurou, em declarações ao Observador, que a sensibilização ser o eixo principal deste plano é a maior vitória. “É através de uma mudança de atitude que podemos fazer com que o valor [de desperdício alimentar] diminua”, disse, garantindo que a FAO “concorda plenamente” com as sugestões do documento apresentado.

Em Portugal, o único estudo disponível sobre o desperdício alimentar é de 2012 e foi realizado pelo Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa. Por ano, estima, são desperdiçadas 1031 mil toneladas de bens alimentares, dos quais 324 mil nas casas das famílias portuguesas. Cerca de 17% confecionados são desperdiçados antes mesmo de chegarem ao prato, de acordo com o estudo – a média da União Europeia é de 30%.

“É preciso contabilizar [os desperdícios] para chamar à atenção, para por as pessoas a pensar”, afirma Iva Pires, investigadora do CESNOVA e coordenadora do Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar (PERDA), lembrando que “é incompreensível” que existam tantos bens alimentícios que não são aproveitados, “numa altura em que o país vive uma crise económica”. A investigadora deixa também o alerta que o valor do estudo pode ser inferior ao real, devido à fórmula de cálculo utilizada que diferencia de país para país.

Quando questionado sobre o impacto da percentagem de desperdício perante a situação que o país atravessa, o secretário de Estado da Alimentação afirmou que esta “obriga a que sejamos ainda mais cautelosos”, relembrando a necessidade de aproximar as autarquias locais das Instituições de Solidariedade Social (ISS): “regulação e agilização de procedimentos” é uma das prioridades.

A comissão de segurança alimentar – entidade responsável pela elaboração do plano nacional de combate ao desperdício alimentar -, criada em maio, surgiu na sequência da polémica com a carne de cavalo encontra em produtos alimentícios que informavam, nos rótulos, a presença de carne de vaca. É composta por 13 entidades, associações que representam agricultores, cadeias de distribuição e consumidores, e é presidida pelo secretário de Estado da Alimentação, Nuno Vieira e Silva.