Há tribunais espanhóis que estão a obrigar os pais a pagar pensões de alimentos a filhos com 30 anos sob o argumento de que estes, com a crise económica, não conseguem encontrar trabalho e emanciparem-se. Por cá, há quem receba pensão muito além dos 18 anos, mas a justificação é sempre a da formação académica. Ainda assim, a doutrina divide-se: deve incluir-se na formação académica cursos de mestrado, doutoramento ou, mesmo, estágios?

De acordo com o jornal El Pais , os advogados espanhóis estão a confrontar-se com dois cenários: decisões dos tribunais que libertam os pais do pagamento das pensões por situações de desemprego e, por outro lado, adultos de 28/30 anos a quem os pais são obrigados a pagar pensões de alimentos – porque a crise económica os impede de serem independentes.

Nem a lei espanhola, nem a portuguesa, estabelecem um limite de idade para a pensão de alimentos. E há algumas diferenças entre os dois sistemas legais. No entanto, a agora advogada Maria Inês Pereira da Costa, que se debruçou sobre o tema na sua dissertação de mestrado, concluiu que, tanto num país, como no outro, “permanece a dúvida acerca da questão de saber se, nas condições atuais da empregabilidade de jovens adultos, o conceito de formação profissional não permitirá uma interpretação extensiva“. Isto é, estágios não remunerados ou mesmo cursos mais específicos.

A juíza conselheira Maria Clara Sottomayor defende que o conceito de formação profissional deve ser alargado a formações pós licenciatura e a estágios profissionais, uma vez que estes são exigidos para entrar no mercado de trabalho. Além desta juíza, Maria Inês Pereira da Costa faz referência ao professor Remédio Marques, com uma opinião contrária. Remédio Marques considera que o “vínculo alimentício” a que o pai está obrigado relativamente ao filho termina assim que ele acabe o curso. A continuação da prestação prender-se-á, apenas, pelo “dever moral”, diz.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

” Muito subjetivo”, diz a advogada Teresa Apolónia, que se dedica ao Direito da Família, ao Observador. Não existem tabelas que estabeleçam valores de pensões e só esse facto já conduz a uma decisão “subjetiva” do juiz. E como “a lei não estabelece um prazo para cessar a prestação, cada caso é um caso”. Ainda assim, a advogada reconhece que a crise económica tem reflexo nas decisões.

“Agora, uma boa pensão de alimentos ronda os 250 euros. Esse é um valor inferior do que era estabelecido há dez anos”, diz.

A advogada Teresa Apolónia lembra que, depois dos 18 anos, cabe ao próprio filho pedir ao tribunal que o pai lhe pague a prestação de alimentos. Mas a lei exige que haja aproveitamento escolar, caso contrário o pai ou a mãe podem alegar que ele não está a cumprir a obrigação.

“Não podemos esquecer que, se estes casos chegam a tribunal é porque não há acordo entre pais e filhos. E muitas vezes os pais podem pedir para cessar o pagamento por falta de cumprimento”, diz Teresa Apolónia.

Um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no entanto, aponta outro caminho. E, mantendo uma decisão de 1ª instância,  obrigou um pai a pagar a prestação de alimentos a uma filha maior que não lhe dirigia palavra há anos. A requerente tinha 22 anos à altura da decisão. Já tinha frequentado um curso e, até, um estágio remunerado. Mas estava a frequentar outra formação profissional e precisava de ajuda do pai (divorciado da mãe).

“Cremos que melhor representa os sentimentos dominantes da nossa sociedade a ideia, que é a nossa, de que o amor incondicional dos pais pelos filhos exige que os primeiros lhes proporcionem os meios necessários para singrarem na vida, mesmo quando os filhos não têm o comportamento que deles é esperado. Resta, igualmente, esperar que a filha do Recorrente, apesar de eventualmente ninguém a ter ensinado a amar e respeitar o pai, como este gostaria, o venha a aprender, por si própria, com a maturidade da idade adulta. Para tanto, ajudará observar que o pai, embora sem retorno afetivo, sempre a apoiou, pelo menos em termos materiais.”

O artigo 1880º, que prevê a obrigação dos cuidados dos pais após a maioridade, foi introduzido no Código Civil com a reforma de 1977, com a maioridade a reduzir dos 21 para os 18 anos. Hoje, com o aumento do período de escolaridade obrigatória, o número de alunos a frequentar o ensino superior e o de divórcios e separações é cada vez mais invocado.

Os jovens, escreve Maria Inês Pereira da Costa, constroem “cada vez mais tarde” um projeto de vida autónomo. “A falta de independência económica arrasta estes jovens para um estado de adolescência prolongada”. De tal forma que obriga “estes jovens adultos a reivindicar dos seus pais o seu sustento, mesmo depois do termo da sua formação”.

O que diz o Código Civil

  • Artigo 1879

Os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.

  • Artigo 1880

Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.