Há jogadores para tudo. Uns são melhores a correr e desarmar os adversários. Outros especializam-se em fintar ou fazer raides com a bola no pé. E há quem adote a profissão de marcar golos. Uns melhores que outros. Como tudo na vida. Numa coisa, porém, todos estão ao mesmo nível — nas armas que, se a má vontade ou o azar assim o quiserem, podem provocar lesões em quem está no relvado. Uma cabeçada, uma rasteira fora de tempo ou um pontapé a mostrar a sola. Tudo serve. Neste caso, Sandro Wieser optou pela última hipótese.

Contavam-se 19 minutos de bola a rolar. O jogo estava nos primórdios. Até que Weiser, médio do FC Aarau, foi atrás de Gilles Yapi-Yapu, costa-marfinense do FC Zürich, que se enfiara na metade do campo da sua equipa para ir receber uma bola. Antes de lhe tocar, o adversário do Liechtenstein já tinha a perna bem levantada e com a sola apontada ao joelho de Yapi-Yapu. Contacto. E logo quando o médio, de 32 anos, tinha acabado de colocar o pé direito na relva.

O costa-marfinense cai de imediato. Geme, grita, agarra-se ao joelho e mascara a cara de dor. Enquanto o faz, as câmaras de televisão focam Sandro Wieser, de 21 anos, a quem o árbitro mostra logo um cartão vermelho. O jovem, depois, aproxima-se de Yapi-Yapo, agacha-se e diz-lhe algo. Um pedido de desculpas, talvez. Com ou sem elas, o FC Zürich não gostou nada do que aconteceu.

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Após o encontro, conta o The Independent, o presidente do clube suíço, Ancillo Canepa, confirmou que fez entrar na justiça um processo contra Sandro Wieser, por alegada intencionalidade na entrada que cometeu sobre Gilles Yapi-Yapo. E como ficou o costa-marfinense? Mal, muito mal. Rompeu quase todos os músculos que tem no joelho direito: no ligamento cruzado anterior, no colateral medial e no menisco lateral e da articulação, além de lesões na cartilagem do osso, segundo um comunicado emitido pelo clube.

Não se sabe quanto tempo Yapi-Yapo passará sem pisar um relvado e tocar uma bola. É possível que nunca mais volte a jogar — o jogador, aliás, apenas será operado na próxima semana. “Arrependo-me totalmente do que aconteceu. Não houve nenhuma intenção da minha parte. Já tive muitas experiências com lesões e não as desejo a ninguém”, desculpou-se depois Sandro Wieser, através do Facebook. Agora, portanto, também haverá um processo na justiça suíça que poderá resultar em multas e sanções a aplicar a Wieser. Caso inédito? Mais ou menos. Basta recordar o que já aconteceu em Portugal.

Foi em 2006, num clássico. O Benfica visitava o FC Porto, o Estádio do Dragão enchia-se e, no relvado, alguém se lesionava. Gravemente. Aconteceu à meia hora de jogo, quando o grego Kostas Katsouranis rasteirou Anderson para cortar a bola que o brasileiro tinha nos pés. Resultado da entrada: o médio portista rompia os ligamentos e fraturava o perónio da perna direita. Aconteceu a 28 de outubro e só voltaria a jogar a 1 de abril de 2007.

O FC Porto também não gostou. Os dragões apresentaram à Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional uma queixa contra o Katsouranis e o Benfica. A entidade deliberou uns meses e, em janeiro de 2007, arquivou o processo, após decidir que o internacional grego não tivera intenção de magoar o brasileiro. Afinal, até Anderson acabou por desculpar o grego. “Ligou para pedir desculpa. Falámos tranquilamente e ficou tudo bem. São coisas que acontecem”, chegou a dizer o brasileiro, ao assegurar que não guardava rancor: “Não posso julgar ninguém num lance de jogo. O que tenho de fazer é continuar a trabalhar.”

E depois já houve quem nada tentou fazer na justiça — mas que viu os adeptos a não esquecerem, nem perdoarem, o homem que lesionou um jogador da equipa. É o que tem acontecido desde fevereiro de 2010, dia em uma rasteira de Ryan Shawcross, defesa do Stoke City, fraturou a tíbia e o perónio de uma das pernas de Aaron Ramsey, o então jovem galês do Arsenal. Só voltaria a jogar mais de um ano depois, em março de 2011.

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No tal dia, Shawcross abandonou o relvado a chorar. Pediu desculpa, visitou Ramsey no hospital e, quando se reencontraram numa partida da Premier League, trocaram um aperto de mão. Mas os adeptos do Arsenal também não esqueceram e, ainda hoje, assobiam e gritam contra o defesa inglês, cada vez que o clube londrino se cruza com o Shawcross, hoje capitão do Stoke City. Tanto que Peter Coates, presidente do clube do Norte de Inglaterra, chegou este ano a considerar que “injustamente, o Ryan foi muito mal tratado”, pois “há sempre jogadores que têm lesões graves e na grande maioria dos casos não há culpa que possa ser atribuída”.