A ministra da Justiça recuou e, afinal, a proposta de alteração ao Código do Processo Penal não vai tocar no assunto das escutas telefónicas. Paula Teixeira Cruz queria concentrar este meio de prova na Polícia Judiciária (PJ), mas o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, bateu com o pé. Afinal, como funcionam as escutas em Portugal?

Segundo o atual Código do Processo Penal, as escutas telefónicas só podem ser autorizadas numa investigação se não existir uma outra forma de obter a prova. A lei prevê ainda que, para escutar alguém, esteja em causa um crime punível com mais de três anos, como o tráfico de droga, o contrabando, o terrorismo…

“Por exemplo, se um crime de tráfico de droga ocorre no interior de uma residência, não é possível vigiar os suspeitos. Ou se um crime é falado exclusivamente por telefone…”, explica uma fonte operacional.

Todas as escutas telefónicas carecem de autorização judicial. O polícia deve comunicar a necessidade de fazer as escutas ao procurador do Ministério Público (MP) que coordena a investigação. E este deve apresentar o pedido ao juiz. Sem a sua aprovação, não podem ser feitas escutas.

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Com a autorização judicial, é pedida à operadora móvel (MEO, Vodafone, NOS…) que faça uma duplicação de linha do número do suspeito. Esta linha entra num computador central que grava a conversa. O computador central está localizado nas instalações da Polícia Judiciária, no Porto e em Lisboa.

A cada telefone escutado, ou seja a cada alvo, é atribuído um código. A Polícia Judiciária dispõe de técnicos informáticos que dominam esse computador. A PJ sabe que esse processo é atribuído a um polícia específico, ao qual é atribuída uma password para aceder ao computador. E às escutas.

A Polícia Judiciária de Lisboa dispõe de uma sala de cerca de 20 metros quadrados com cerca de 20 computadores que servem as forças de seguranças. O grosso das escutas é da PSP, mas também há GNR, SEF e outras forças que recorrem menos a este meio de prova. E nem sempre é fácil “ter vez” quando se precisa.

“É muito difícil ter lugar na sala. Às vezes espera-se um dia inteiro para conseguirmos”, diz um operacional ao Observador. “O melhor é gravar durante a noite”.

O polícia que está a investigar determinado processo grava todas as conversas escutadas num CD, que pode levar consigo. Só transcreve as conversas que forem, de facto, úteis à investigação em causa. No entanto, se em 20 minutos de uma conversa, só dois minutos corresponderem ao crime sob investigação, deve o polícia transcrever tudo. A transcrição não deve fugir ao contexto da conversa, pois pode não ser validada pelo juiz.

Os polícias têm que enviar relatórios quinzenais das investigações ao Ministério Público. Sublinhe-se que, por vezes, cada processo tem vários alvos e várias horas de conversação.

Os elementos da PJ estão sujeitos às mesma regras mas com uma diferença: podem aceder às escutas dos seus processos diretamente do seu computador. As outras forças não, têm que deslocar-se às instalações da PJ.

“Este é um trabalho difícil de fazer, porque se perdem muitas horas a ouvir conversas e a selecionar o que, de facto, interessa à investigação”, diz a fonte.

Mudança legislativa ainda pode ocorrer por via da Lei de Organização da Investigação Criminal

Na versão original da proposta de lei de alteração ao Código de Processo Penal, que devia ir esta quinta-feira a conselho de ministros, estava vertida a vontade de Paula Teixeira Cruz: concentrar na PJ a competência exclusiva das escutas telefónicas, segundo então noticiou a Lusa.

Miguel Macedo nunca concordou e as próprias polícias também não. Por um lado, a PJ não tem meios humanos suficientes para centralizar as escutas das investigações criminais. Por outro lado, as outras forças de segurança têm, segundo a Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC), competências de investigação criminal.

E, a ser introduzida essa mudança na lei, é precisamente por via da LOIC. Foi isso mesmo que o ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Marques Guedes, disse esta quinta-feira.

“Não é em sede de Processo Penal que estas questões são tratadas, mas da LOIC. Em Portugal só há um centro que faz interceção de comunicações, não há proliferação. E esse centro está sedeado na PJ. Os órgãos de policia criminal têm que se autorizadas pelo MP validadas por um juiz”.

A discussão ainda pode ser retomada.