Antigo dirigente do PCP e do jornal Avante!, um dos mais acérrimos defensores do marxismo-leninismo no partido, José Casanova morreu como viveu: firmemente convicto de que valia a pena lutar ferozmente pelos ideais comunistas, contra os “homens do capital” da Europa, contra os opressores de Abril, entre os quais destacava Mário Soares, contra o imperialismo norte-americano, por Cuba e pelos valores da extinta União Soviética. Não cedeu um centímetro e fez do “papel e da caneta” que utilizava para escrever os seus artigos de opinião no Avante! a sua principal forma de luta. O Observador destaca aqui alguns dos artigos escritos por José Casanova.
O inimigo de Abril, Mário Soares
A 31 de março de 2011, depois de o PCP ter votado contra PEC IV de José Sócrates em conjunto com toda a oposição, José Casanova reagia à posição assumida por Soares, que tinha criticado a aliança do Partido Comunista com os partidos de direita e que precipitou a queda do Governo socialista. Acusou Mário Soares de “ser o pai da política de direita”.
“(….) O currículo de Soares é por demais elucidativo (…): numa primeira fase, aliando-se a todas as forças da direita, incluindo as mais estreitamente ligados ao regime fascista, Soares pôs o PS a liderar a contrarrevolução em todas as suas manifestações, passando pelo terrorismo bombista e pelas várias tentativas de golpes reacionários. Numa segunda fase, a fase institucional, Soares, em estreita e fraterna aliança com o PSD e o CDS, foi o iniciador da política de direita que, destruindo as principais conquistas da Revolução e colocando Portugal nas garras do capitalismo internacional, conduziu o País ao dramático estado em que se encontra (…) [Mário Soares] exibe orgulhosamente aquilo que é: o pai da política de direita”.
A 16 de maio de 2013, José Casanova repetia as acusações a Mário Soares, num artigo intitulado “Todos, sem exceção”, em que condenava todos os sucessivos partidos do chamado “arco da governação” e que “levaram por diante a aplicação da mesma política de direita devastadora dos interesses de Portugal e dos portugueses e ao serviço dos interesses do grande capital” nos últimos 40 anos de democracia.
Pai da política de direita – ou seja: inimigo feroz da revolução de Abril, dos seus valores e das suas conquistas; chefe assumido da contrarrevolução; servidor fiel de todos os carlucci do planeta; homem de mão do capitalismo nacional e internacional; vendedor da banha-da-cobra da «Europa connosco»… – Soares é o maior responsável pela desgraça que pesa sobre Portugal e os portugueses.
Cavaco Silva: “o homem não se cala”
“Nos últimos dias, particularmente depois das eleições legislativas, o Presidente da República entrou num frenético processo de incontinência oratória. Possuído por um entusiasmo esfuziante, o homem não se cala, desnudando-se, e ao seu pensamento mais profundo, cujas raízes se situam no antes do 25 de Abril”. É assim que começa o artigo de opinião “Não passará”, publicado a 22 de junho de 2011, onde José Casanova criticava os discursos de Cavaco Silva na tomada de posse do atual Governo, nas celebrações do 10 de Junho desse ano, mas principalmente na sessão de encerramento do Congresso Nacional das Misericórdias.
“Aí, Cavaco sentiu-se como peixe na água: subiu-lhe à memória, avassalador, irreprimível, o pensamento dominante no tempo do regime fascista (…) Por isso, ele disse no Congresso que «temos de reinventar o conceito de serviço público», retirando-lhe a «visão ideológica que os tempos tornaram obsoleta» – e, naturalmente, acrescentando-lhe a visão ideológica moderna do tempo de Salazar…
E embalado pela recordação desse tão saudoso tempo, explicou que a razão pela qual o relacionamento entre o Estado e as misericórdias não é o que ele, Cavaco, acha que deveria ser, deve-se a «essa quase obsessão de tudo sujeitar à tutela e à administração direta do Estado» (…) E, num piscar de olhos à interessada assistência, enfatizou: «Os senhores sabem do que estou a falar». Ó se sabem! Aliás, sabemos todos. Por isso lhe dizemos que não passará”.
“Os dois”
Sem nunca nomear ninguém, José Casanova escrevia, num artigo publicado a 16 de dezembro de 2010, uma extensa compilação dos crimes cometidos pelos “dois carrascos da Revolução de Abril”.
“Foram, os dois, peças fundamentais da contrarrevolução que liquidou a democracia de Abril e instalou esta faz-que-é-mas-não-é democracia. (…) Foram, os dois, os carrascos de tudo o que de novo, de moderno, de avançado, de progressista, a Revolução de Abril criou. (…) Espalharam, os dois, o desemprego, a precariedade, os salários em atraso, a exploração, a injustiça, a pobreza, a miséria, a fome. (…) Depositaram, os dois, a independência e a soberania nacionais nas garras do imperialismo norte-americano e da sua sucursal europeia. (…) Agora, os dois, fingem que nada têm a ver com tudo isto e apresentam-se como portadores da política salvadora (…) Sem ponta de vergonha, os dois”.
“Viva a Cuba!”
A 13 de setembro de 2012, o antigo dirigente do PCP escrevia sobre a manutenção do bloqueio comercial dos Estados Unidos a Cuba, lembrando os 188 os países “que exigiram o fim do criminoso bloqueio” na Assembleia Geral da ONU. Barack Obama era o principal alvo das críticas de José Casanova, não esquecendo Mário Soares, “o mais destacado defensor e ativista da causa capitalista”.
“Ainda recentemente, no decorrer da campanha presidencial nos EUA, Mário Soares – que é desde há muito, no nosso País, o mais destacado defensor e ativista da causa capitalista – dizia que, se Obama não ganhasse as eleições, isso seria «uma tragédia para todo o mundo (…) e que, ganhando-as, «um vento de mudança progressista viria da América». Obama ganhou. E mal foi reeleito (…) soprou o seu «vento progressista»: mandou dizer por um seu porta-voz que «a nossa política em relação a Cuba mantém-se». Entretanto, Cuba continua a resistir – e a contar com a solidariedade de todos os homens e mulheres democratas, de esquerda, progressistas.
Os jornalistas, “cães de guarda”, e os media, os “donos do canil”
Os media e os jornalistas, símbolos do poder do capitalismo na sociedade moderna, não eram esquecidos. Na crónica intitulada “Os cães de guarda e os donos do canil” publicada a 8 de agosto de 2013, dirigida em concreto ao jornalista do Expresso Henrique Monteiro, José Casanova estendia as suas críticas a toda a classe profissional e aos “donos do canil”.
“Henrique Monteiro é um jornalista-tipo da nova ordem comunicacional congeminada após a derrota do socialismo na URSS e na Europa de Leste. É um daqueles escribas que Serge Halimi definiu como «os novos cães de guarda»: (…), cujas opiniões essenciais coincidem sempre, «milagrosamente», com as do dono do canil – o grande capital”.
“Recorde-se, ainda, que o dono do canil – o atual ou qualquer seu antepassado – só começou a fingir-se antifascista após a derrota do fascismo… e sempre foi anticomunista…E recorde-se, finalmente, que os comunistas ocuparam, sempre e em todo o mundo, a primeira fila da luta contra o fascismo – e que sem a acção do Exército Vermelho e do povo da União Soviética, o nazi-fascismo teria muito provavelmente alcançado o seu objetivo de domínio do mundo. O que em nada incomodaria os donos do canil nem, por arrasto de trela, os seus «cães de guarda».
“Abril é o futuro”
Num dos últimos artigos publicados no jornal, a 24 de outubro de 2013, José Casanova elogiava o espírito de Abril que uniu todos os manifestantes que saíram à rua no dia 19 de outubro desse ano e apelava à luta permanente pelos ideais que a Revolução edificou.
“Era o povo de Abril que ali estava lutando contra a política de direita que, iniciada em 1976 pelo pai da contrarrevolução, Soares – e prosseguida por Cavaco, Guterres, Barroso, Sócrates, Coelho & Portas (…) esses homens de mão do grande capital fizeram regredir o País (…) para níveis semelhantes aos existentes durante o fascismo e criaram uma situação que, em muitos aspetos, coloca Portugal, hoje, mais próximo do 24 do que do 25 de Abril”.
“Recordar os nomes, as práticas e os objetivos desses inimigos de Abril (…) é indispensável para pôr fim ao «mais do mesmo» que tem afundado o Portugal de Abril. Para que, à política de direita praticada pelo PSD/CDS, não venha a suceder a mesma política de direita praticada pelo PS/CDS. É por Abril que lutamos. No dia 19, Abril saiu à rua. E Abril é o futuro”.
José Casanova morreu este sábado, após lutar contra uma “doença grave”, segundo informou em comunicado o PCP.