Os preços do petróleo caem mais de 40% nos últimos seis meses, para os valores mínimos desde 2009, o que desperta de imediato duas grandes questões: o que está na origem da forte descida e, por outro lado, que consequências terá este movimento para a economia global e, em particular, para um país como Portugal. Preços mais baixos na energia equivalem – a História recente mostra-o – a um estímulo fiscal para os governos, empresas e famílias. Para o Ocidente e, em particular, para a Europa, grande importadora de petróleo, um barril de crude mais barato funciona como um corte de impostos que a (quase) todos oferece um alívio oportuno. Desta feita, há quem alerta que não será bem assim.

Não tem faltado quem se congratule pela descida recente dos preços do petróleo. No início de dezembro, a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), a francesa Christine Lagarde, dizia que “haverá vencedores e perdedores, mas esta (descida dos preços do petróleo) é uma boa notícia para a economia mundial“. Até Mario Draghi, que em teoria poderia, em certa medida, ter na descida dos preços da energia um adversário na sua cruzada contra o “fantasma” da deflação na zona euro, disse que “a descida dos preços do petróleo é um fator positivo, sem qualquer ambiguidade”.

Há quem não esteja tão convencido. Stephen King é o economista-chefe do banco HSBC e um nome bem conhecido dos grandes investidores internacionais. Diz, em nota de análise recente enviada ao Observador, que “é tentador pensar que as descidas do preço do crude funcionam sempre como um fator impulsionador da atividade económica global. Mas a realidade é bem mais complexa do que isso”.

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Stephen King é o economista-chefe do HSBC e uma das vozes mais prestigiadas entre os investidores. Foto: HSBC

Como em qualquer mercado, e o mercado do petróleo é dos mais importantes em todo o mundo, os preços tendem a ser determinados pela oferta e pela procura. Quando a procura sobe menos do que a oferta, o preço desce; quando se passa o contrário, se a oferta aumenta a um ritmo menor do que a procura, o preço tende a subir. O que ajuda a compreender a descida abrupta do preço do crude é que a oferta está a aumentarsem que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) faça o que quer que seja para contrariar este facto – mas também a procura dá sinais de diminuir, sobretudo na Europa e na China. E também nos EUA, que continuam a ser o maior consumidor mundial de petróleo (e uma economia que está a crescer a um ritmo anual superior a 3%) mas que estão muito próximos da autonomia energética graças à revolução do petróleo e do gás de xisto.

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“Nos anos 80 e 90, a Reserva Federal tipicamente baixava as taxas de juro em reação a uma descida do preço do petróleo”, recorda Stephen King, numa tentativa de contrariar as pressões deflacionistas causadas pela energia mais barata através da injeção de dinheiro na economia. Só por essa razão já seria de esperar que a análise da História económica desses momentos evidenciasse um aumento do crescimento, associado a um melhor desempenho dos mercados acionistas – o grande “oráculo” do desempenho da economia. Hoje, “com as taxas de juro em zero [desde 2008, na verdade], o banco central dos EUA já não pode fazer isso”.

Outro fator que recomenda, desta feita, um otimismo mais temperado: se no passado era possível aproveitar as receitas fiscais adicionais, geradas a partir de uma maior confiança do consumidor e de maior crescimento, os governos hoje terão uma margem de manobra menor para aumentar o investimento. Porquê? “Os elevados níveis de dívida no mundo industrializado sugerem que os efeitos multiplicadores positivos serão mais fracos do que no passado”, afirma o economista-chefe do HSBC, numa consideração que assenta como uma luva aos países do Sul da Europa e que não se aplica apenas aos Estados mas também às empresas e famílias.

Energia barata: inflação cada vez mais uma miragem

Em especial na Europa, “para os responsáveis políticos que querem manter bem longe os fantasmas da deflação, preços do crude mais baixos são ao mesmo tempo uma benção e uma maldição”, escreve Stephen King. É certo que podem, no imediato, aumentar os lucros das empresas e o rendimento disponível das famílias, mas há um risco de que “saiam reforçadas as expectativas de uma queda contínua nos preços“, o que aproxima as economias da deflação. Deflação que rapidamente se pode transformar numa espiral perigosa em que o investimento das famílias e das empresas abranda de forma imparável e com consequências nefastas.

Por outras palavras, se existem, sem dúvida, benefícios importantes, há que levar a sério o perigo criado por uma descida demasiado súbita dos preços da energia. “Na perspetiva dos bancos centrais determinados a estimular as expectativas de inflação – entre os mais óbvios o Banco do Japão e o Banco Central Europeu”, a queda dos preços do petróleo podem revelar ser uma complicação indesejada, ameaçando trazer mais instabilidade para os mercados cambiais”, alerta Stephen King, o economista-chefe do HSBC. Pelo menos em público, ao considerar a baixa da cotação do crude algo “positivo, sem qualquer ambiguidade”, o presidente do BCE, Mario Draghi, não parece estar muito preocupado.

Já Stephen King assume estar preocupado, olhando com apreensão para os efeitos a prazo da descida dos preços da energia. “O petróleo mais barato vai ajudar algumas partes do mundo emergente – designadamente a Turquia e a Índia – e penalizar outros países emergentes”, diz o economista, rematando que “de um modo geral, contudo, os preços mais baixos na energia só servirão para colocar em evidência as dificuldades que os bancos centrais têm em domar o monstro da deflação”.

Porquê uma queda tão brusca?

O desequilíbrio aparente entre as perspetivas para a oferta e procura, mencionadas no início deste texto, podem ser apenas parte da justificação para a queda abrupta nos preços do petróleo. E há até especialistas que duvidam que este facto esteja a ter, sequer, um papel relevante na evolução da cotação. Esses mesmos especialistas avançam com outras possíveis explicações, baseadas na notória passividade do cartel dos países da OPEP que, ainda este fim de semana, deu ao mercado um novo número para se concentrar: os 40 dólares por barril (face aos 55 dólares do West Texas Intermediate negociados em Nova Iorque).

Estará a OPEP a deixar o preço cair – sem que isso leve a uma redução das quotas de produção – para travar a revolução do petróleo de xisto? Ou seja, estarão os países a optar por uma prática semelhante ao “dumping” para levar à falência quem, sobretudo nos EUA, apostou todas as suas fichas num crescimento súbito da exploração de fontes energéticas através da fraturação hidráulica (“fracking”) de reservatórios de xisto que contêm petróleo e gás natural? Estudos apontam para que este setor necessite, nesta fase, de preços do petróleo entre 70 dólares e 90 dólares, no mínimo, para que sejam uma alternativa ao petróleo convencional e, assim, para que estes projetos sejam viáveis.

Ou estará a Arábia Saudita, cujos responsáveis se encontraram recentemente com o secretário da Defesa dos EUA John Kerry, a tentar a usar o preço do petróleo para enfraquecer as organizações do chamado Estado Islâmico, que têm na venda de petróleo uma importante fonte de receita para financiar as suas atividades? As divisões entre os países da OPEP ficaram claras na última reunião do cartel em Viena, no final de novembro, e os problemas vão muito além das acusações de que alguns produtores estavam a exceder as quotas com o objetivo de obter mais receita. É que todos os países da OPEP têm valores diferentes para o patamar em que necessitam que o preço do petróleo esteja para manter o equilíbrio dos seus orçamentos e das suas economias. O Irão, por exemplo, gostaria de ver o petróleo bem acima dos 100 dólares.

Esse é outro perigo criado pela descida brusca dos preços do petróleo. Há quem argumente que se a intenção é prejudicar o Estado Islâmico, o tiro poderá sair pela culatra porque a instabilidade económica naquela região – alimentada pelas menores receitas com a exportação de petróleo – pode tornar ainda mais fértil o terreno para que os terroristas recrutem militantes. Do outro lado do mundo, o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou recentemente que Caracas está a preparar uma cimeira de membros e não membros da OPEP contra a descida dos preços do petróleo.

E, aqui mais perto, por entre pesadas sanções europeias ao papel que está a ter no conflito na Ucrânia, a Rússia está a ver a economia arrefecer para temperaturas siberianas. A divisa, o rublo, está em queda livre, tal como os mercados de capitais de um modo geral. Como grande produtor de petróleo e gás natural, a forte descida dos preços da energia está na génese da instabilidade no país, que está a ser acompanhada de palavras cada vez mais duras em relação ao Ocidente.