Manuel Alegre terminou a campanha para as eleições presidenciais de 2011 com uma dívida de 422 mil euros para pagar e só o conseguiu fazer graças a uma conta solidária, que arrecadou metade do valor, e ao PS, que pagou o resto. O desfecho é revelado pelo Tribunal Constitucional que diz que não há informação sobre como foram feitos esses pagamentos e que a lei eleitoral tem um buraco na legislação que a impede de controlar quem dá dinheiro aos candidatos, no caso de estes ficarem com dívidas.

Nas eleições presidenciais de 2011, Manuel Alegre perdeu pela segunda vez para Cavaco Silva e ficou com um saldo negativo na conta de 422.075,18 euros. Como pagar este dinheiro? Ao Observador, o diretor da campanha, Duarte Cordeiro, contou que “o partido [o PS] assumiu as responsabilidades remanescentes e neste momento não há responsabilidades que ficaram por pagar”. Mas parte desta verba já havia sido paga com recurso a uma conta solidária e esta é uma questão que mereceu dúvidas do Constitucional.

No acórdão do Tribunal Constitucional sobre as contas das candidaturas às eleições presidenciais, que foi revelado em novembro, os juízes começam por dizer que “não foi dada qualquer explicação de como o candidato fez ou irá fazer face aos prejuízos da campanha”. E como tal, o Constitucional quis saber mais e perguntou à candidatura como iria pagar as contas.

Na volta do correio, a candidatura respondeu duas coisas. Primeiro, que a Entidade das Contas não pode fiscalizar “como serão pagas as dívidas remanescentes” uma vez que a dívida que ficou “é essencialmente do foro privado” e, depois, que parte da dívida teria sido paga por anónimos que contribuíram para uma conta solidária em nome do mandatário financeiro, António Carlos dos Santos, e de Helena Roseta, apoiante da candidatura. Mas não é possível saber quem deu nem quanto, uma vez que são donativos feitos foram do âmbito da campanha e a título privado. É este o problema que o Constitucional encontra, dizendo que saber como quem deu o quê é ainda “mais premente”. Mas diz também nada poder fazer quanto a este assunto. Restou ao TC acreditar na palavra da candidatura que se comprometeu a saldar as dívidas “sem recurso ao financiamento de empresas privadas”.

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No entanto, apesar dos contributos na conta solidária, continuaram “por regularizar dívidas com os maiores fornecedores e com os responsáveis distritais da campanha na ordem dos 200 mil euros”, escrevia a campanha. O restante, cerca de 200 mil euros, foram posteriormente cobertos por transferências feitas pelo PS, ainda na época de José Sócrates.

Dívidas sem fiscalização

O acórdão do Tribunal Constitucional deixa, no entanto, em aberto uma questão sugerida pelos juízes: quem fiscaliza os pagamentos das dívidas que ficam por pagar? A resposta: ninguém. A lei não dá competências ao Tribunal Constitucional no caso de eleições a título individual ou não partidário (que são sobretudo as presidenciais e listas independentes para as eleições autárquicas).

No acórdão, o Tribunal até diz que “a questão do pagamento das dívidas da candidatura, finda a campanha eleitoral, e o respetivo controlo por parte da ECFP [Entidade das Contas e Financiamento dos Partidos], prende-se com a necessidade de assegurar a inexistência de donativos subsequentes, mormente através de perdões de dívida, donativos esses que, caso provenham de pessoas coletivas, correspondem a financiamentos proibidos”, mas admite o mesmo tribunal estar de mãos atadas neste caso.

“Em tudo o mais, designadamente quanto ao que ocorra posteriormente ao julgamento das contas da campanha, não tem este Tribunal qualquer competência decisória ou mesmo instrutória”, lê-se no acórdão.

Os juízes consideraram que o plano de pagamentos da candidatura de Manuel Alegre não tinha assim qualquer evidência de que “as dívidas remanescentes hajam sido perdoadas” e portanto não existia “nenhuma ilegalidade ou irregularidade”. Mas lamentam não poderem fiscalizar o pós-eleições nestes casos. Caso haja lucro, os candidatos são obrigados a devolver o excedente ao Estado, caso haja prejuízo, a responsabilidade cabe ao mandatário financeiro e ao candidato e não há mais relação nem com a Assembleia da República (que paga as subvenções) nem com o Tribunal Constitucional (que não pode fiscalizar além campanha).

O problema coloca-se sobretudo na candidaturas presidenciais, que não são candidaturas partidárias, ou em candidaturas independentes a eleições autárquicas. Foi o que aconteceu, por exemplo, a Freitas do Amaral, quando recebeu menos do que tinha previsto quando foi candidato presidencial contra Mário Soares ou a Helena Roseta, enquanto candidata independente às eleições autárquicas de 2007, que ficou com uma dívida de vários milhares de euros que pagou do próprio bolso ao longo dos últimos anos.