A queixa-crime entregue no Tribunal Central Criminal de Lisboa no último dia de 2014 contra desconhecidos com base na fundamentação da ilegalidade da resolução do Banco de Espírito Santo (BES). A ação liderada por Miguel Reis juntou 170 queixosos, a maioria particulares, que investiram em ações e obrigações do BES. A queixa é contra desconhecidos, mas pede que sejam constituídos arguidos os administradores do Banco de Portugal, bem como os titulares de órgãos sociais do BES, empresas do Grupo Espírito Santo (GES) e do Novo Banco.

A ação considera que a “eliminação do BES do mercado e o confisco do essencial do seu património causou prejuízos de milhares de milhões de euros aos seus acionistas e credores que perderam ou viram substancialmente reduzidos os valores dos seus investimentos e perderam, por outro lado, as suas garantias patrimoniais”. Defende que o “regulador não pode, no quadro das medidas de resolução, ordenar um assalto ao banco intervencionado”, lembrando que até a nacionalização implica o pagamento de indemnizações. Daí que um dos motivos desta ação é o de provar que ainda vivemos num Estado de direito.

Argumentando que os poderes da resolução são limitados; à alienação de ativos e ou transferência para um banco de transição, conclui que “tudo o que pode ultrapassar isto, constitui para além de uma ilegalidade, o que em bom português se pode qualificar como uma verdadeira alarvidade”.

O processo descreve a resolução do BES como uma operação obscura e uma “operação política adequada a branquear a apropriação ilícita de valores que pertencem a pessoas honestas” que acreditaram estar a investir na legalidade.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os “peanuts” do caso Sócrates

O processo invoca o caso Sócrates para questionar o que considera ser uma assimetria no tratamento dado pela justiça. “Enquanto um antigo primeiro-ministro está em prisão preventiva em razão da suspeita de prática de crimes que representarão peanuts [“amendoins” é a tradução literal, mas a expressão significa “tostões” na gíria portuguesa], passearam-se na mais completa liberdade os responsáveis de atos que são subsumíveis e alguns dos mesmos tipos legais, porém com valores astronomicamente superiores”.

Segundo a ação, “tudo indica que o assalto ao património do BES teve como principal motivação a geração de chorudos negócios para empresas de advogados e consultores, alguns com cadastro criminal internacional”. No documento, no ponto relativo a idoneidade, são recordados os processos e condenações internacionais de que foram alvo algumas das entidades que foram contratadas como consultores, como o Deutsche Bank, o BNP Paribas, a Perella Wenberg e a PricewaterhouseCoopers, para onde foram trabalhar dois dos responsáveis pelo departamento de supervisão do Banco de Portugal.

No quadro desta queixa-crime, foi ainda instaurada uma ação cível que reclama a apreensão da escrita mercantil (comercial) do BES, e se exige a expulsão do Novo Banco da sede do BES. É ainda pedido que nenhum dos ativos transferidos para o Novo Banco possa ser vendido sem prévia autorização judicial. Foi igualmente entregue uma ação administrativa que pede a anulação da medida de resolução e da transferência de ativos.

O processo, com 18 pontos, elenca um conjunto de práticas irregulares e indícios criminais, desde falsificação de contas e escrita mercantil, indícios de insolvência dolosa e de crime de abuso de confiança, infidelidade e dano, branqueamento, favorecimento pessoal e de credores, abuso de informação, e passando pela “destruição da garantia soberana” de Angola.

Sem querer entrar “no domínio das teorias da conspiração”, a ação identifica dois grupos que terão tirado proveito do que aconteceu no BES: Num grupo estão o Banco de Portugal, consultores como o BNP, a Perella e BESI (Banco Espírito Santo de Investimento) e o Novo Banco e que terão como objetivo “obter lucros milionários com o desmantelamento do BES” e a venda do Novo Banco. O outro grupo, que joga à defesa, são os antigos órgãos sociais.

“Nunca se provará que Salgado é sozinho responsável”

A ação defende por isso que os administradores do Banco de Portugal sejam constituídos arguidos, assim como os novos administradores do BES e do Novo Banco, a quem classifica de “homens de palha do Banco de Portugal”, a par com os antigos administradores do BES e do GES.

Para os autores do processo, “há claramente uma mistificação (propalada não se sabe por quem, mas acolhida pela imprensa) responsabilizando pessoalmente o Dr. Ricardo Salgado como se ele fosse verdadeiramente o DDT (Dono Disto Tudo). Concluindo logo a seguir que o principal autor dessa mistificação é o Banco de Portugal e o governador.
Os queixosos concluem ainda que, “nunca se provará que Ricardo Salgado é sozinho responsável pelo que quer que seja, pelo que estamos perante uma construção fraudulenta destinada a retirar água do capote”.