Com o frio a apertar, as urgências hospitalares enchem e as horas de espera vão esticando. Todos os anos o mesmo cenário, por esta altura. A Ordem dos Médicos, os sindicatos e os administradores hospitalares apontam a falta de médicos, de camas e de organização como as principais razões para a situação que se está a viver em algumas urgências do País, com um tempo de espera muito para além do recomendado. O Ministério da Saúde admite cada uma dessas falhas.

A falta de médicos, de camas e de organização “são realidades que o Ministério da Saúde reconhece”, admitiu ao Observador fonte oficial do Ministério da Saúde esta terça-feira, no seguimento de uma série de notícias que têm dado conta de episódios de mais de 20 horas de espera nas urgências de alguns hospitais, com duas mortes já a serem investigadas. “Mas o problema não é geral, é localizado”, sublinhou logo de seguida.

Ainda a mesma fonte lembrou que que “há unidades que têm maiores dificuldades e outras, ou as mesmas, que têm falta de médicos, e outras, ou as mesmas, que têm falta de camas”. Aliás, continuou, “não há novidade em nada disto” e essas “faltas podem não ser significativas noutras alturas. Só representam problemas nos picos do inverno/gripe/frio”, frisou. “As que têm maior dificuldade estão nos grandes centros urbanos, mas nem todas nos centros urbanos se deparam com problemas”, rematou.

“A afluência às urgências é maior nesta altura do ano um pouco por todo o país. Isso acontece sazonalmente com o frio e aproximação da gripe. Não se trata de uma singularidade do nosso País”, afirmou fonte oficial do Ministério da Saúde.

Outra fonte do Ministério da Saúde revelou que “quando estamos em picos existem limitações físicas, quer em termos de espaço, quer em termos de médicos e recursos humanos em geral” que fazem com que algumas unidades não consigam dar resposta. É esse o caso, por exemplo, do Hospital de Torres Vedras – onde as corporações de bombeiros vieram dizer que as ambulâncias estão paradas à porta das urgências porque as macas onde os doentes chegam ficam lá, por falta de macas e camas naquele serviço. “Aquele espaço de urgência não é adequado e por isso mesmo já está previsto ser lá feito um investimento para capacitar a urgência”, contou a mesma fonte ao Observador.

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Outro ponto tem que ver com as limitações ao nível dos recursos humanos. “Por mais que o número de médicos no sistema tenha aumentado, existem limitações. Não se esqueça que acima dos 50 anos estão dispensados de fazer urgência”, apontou a mesma fonte.

E a verdade é que, de acordo com o último Balanço Social publicado pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), mais de 40% dos 24.988 médicos que trabalhavam no Serviço Nacional de Saúde em 2013 tinham, nesse ano, 50 ou mais anos. Se a mesma proporção puder ser transposta para os que trabalham apenas em hospitais, quase metade dos clínicos estavam dispensados do trabalho em urgência.

Quanto ao número de camas, a mesma fonte sublinha que apesar da redução que tem sido levada a cabo nos últimos anos, a “ocupação média das camas ronda os 80% ao ano, pelo que há espaço para estes picos”, não quer contudo dizer que “num caso ou noutro” isso não tenha tido influência na situação que se vive.

Bastonário pede mais contratações. Administradores reclamam planos de contingência

Por sua vez, o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, acha “inaceitável dizer que o caos deste ano é igual ao do passado” e que, por isso, e por “ser localizado”, não se fale nele. “Todos os anos acontece a mesma coisa. Todos os anos a responsabilidade é dos mesmos intervenientes. Morrem pessoas e não acontece nada e ninguém assume a responsabilidade”, acusou o bastonário.

José Manuel Silva culpa este Governo pelas situações que se têm vivido nestas últimas semanas em alguns hospitais. “Eles reduziram o horário de funcionamento dos centros de saúde, fecharam serviços de atendimento permanente nos cuidados primários e serviços de urgência de alguns hospitais, reduziram camas – só de março de 2013 para março 2014 fecharam 420 camas – e ainda têm a lata de vir dizer que a culpa é dos profissionais”, resumiu.

Ao Observador, José Manuel Silva apontou possíveis soluções para este problema: aumentar a capacidade de resposta dos cuidados de saúde primários, alargando o período de funcionamento; aumentar capacidade de internamento, abrindo mais camas, e contratar mais médicos, nomeadamente os que se aposentaram e os que emigraram.

Já Marta Temido, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, defende que deveriam existir “planos de contingência para afluxos inesperados”.

“Da mesma forma que os hospitais têm planos de catástrofe, têm de ter planos mais adaptados para esse afluxo imprevisto, mobilizando por exemplo recursos humanos dos cuidados de saúde primários, por exemplo”, sugeriu Marta Temido, representante dos administradores hospitalares.

O Ministério da Saúde por seu turno lembra que “permitiu, onde necessário, a contratação de médicos como prestadores de serviços mesmo que isso signifique exceder o valor/hora (30 euros para especialistas e 25 para não especialistas)”; “alargou, também onde necessário, os horários dos cuidados primários”; “instou ao aumento de camas para internamentos vindos dos serviços de urgências e solicitou o reforço da Linha Saúde 24”. Tudo isto depois da situação vivida no Fernando da Fonseca, Amadora-Sintra, no Natal.

O problema, diz José Manuel Silva, é que essas medidas deviam ter sido adotadas mais atempadamente, antes destas situações ocorrerem e antes de se registarem mortes como a de um homem de 80 anos que morreu na madrugada de sábado na sequência de um AVC, depois de, alegadamente, ter esperado seis horas para ser assistido no Hospital S. José, e de um homem de 57 anos que morreu após uma espera que também terá rondado as seis horas para ser atendido no Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira.

Partido Socialista chama ministro ao Parlamento para debater problema nas urgências

Contactada, a Entidade Reguladora da Saúde disse que “está a analisar as situações” e que “já foram pedidas informações sobre esta matéria aos prestadores”, nomeadamente aos dois hospitais onde ocorreram as mortes.

Também o Partido Socialista quer saber mais sobre esta situação e como tal requereu “o agendamento potestativo de um debate de atualidade para a reunião plenária do dia 8 de janeiro de 2015 com o tema: ‘situação das urgências hospitalares'”.

O Observador pediu ao Ministério da Saúde dados sobre quantos doentes deram entradas nas urgências nestes primeiros dias do ano, face ao mesmo período dos anos anteriores, e quantos desses tinham sido triados como casos não urgentes ou urgentes ou muito urgentes, mas fonte oficial da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) disse não possuir ainda essa informação.

Porém, fonte do Ministério referiu que “em alguns casos a procura está de facto está um pouco acima” do último ano, mas que nos casos verdadeiramente urgentes a resposta está a ser dada “dentro do tempo recomendado”, e que em muitas unidades cerca de 40% dos doentes ficam com pulseira azul ou verde, o que significa que não deveriam estar numa urgência hospitalar. A questão é que, e como afirma o bastonário dos Médicos, esses doentes não tendo cuidados primários de saúde abertos e disponíveis, “não têm outra solução”.

Estas situações atípicas de espera começaram por ser notícia no Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora, no Natal, com esperas superiores a 22 horas, e agora repetem-se um pouco por todo o país em algumas unidades, como o Hospital de Évora, onde no sábado também houve doentes a esperar 18 horas. Sendo que muitas outras referem que a situação está “normal” para esta altura do ano. Resta esperar agora para ver como vão correr os próximos dias, sendo que o pico da gripe só deverá chegar no final de janeiro.