Não há escutas, não há revistas nem buscas. Há muito trabalho de campo, infiltrados e fontes, muitas fontes e cooperação com outros serviços de informação e polícias. Assim que aconteceu o ataque ao semanário francês Charlie Hebdo, a polícia portuguesa foi informada do perfil dos atacantes de Paris e há um oficial da PSP na capital francesa a acompanhar de perto o desenrolar da situação, mas nesta equação de fiscalização de terroristas entra sobretudo a PJ e as secretas. Numa altura em que por todo o mundo se fala da ameaça de jihadistas e no poder de recrutamento do Estado Islâmico, o Observador foi perceber como é feito o rastreamento dos potenciais (ou atuais) terroristas e como respondem as autoridades portuguesas a um ataque num país tão próximo.

A primeira reação ao atentado começa pela informação. Assim que o Charlie Hebdo foi atacado, a PSP:

“recebeu informações das autoridades francesas sobre o perfil dos autores do massacre ao Charlie Hebdo e os detalhes operacionais que possam ajudar-nos a promover uma correta leitura dos factos ocorridos”, explica o subintendente Paulo Flor, porta-voz da Direção Nacional da PSP.

A ligação com os franceses é ainda feita através de um “oficial de Ligação que colabora ativamente neste cenário”, acrescenta.

Mas antes da resposta rápida, há um trabalho prévio de rastreamento e de acompanhamento de potenciais extremistas, feito pela PSP, pela Polícia Judiciária e pelos serviços de informação. Em Portugal, são estas duas últimas entidades quem têm competências para ações de prevenção ao terrorismo.

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Tanto os serviços de informação como a Polícia Judiciária “podem fazer ações encobertas, por exemplo, podem entrar em redes sociais para perceber o que se passa nas redes com nomes fictícios”, explica ao Observador o ex-ministro da Administração Interna, Rui Pereira.

No trabalho da PSP também há infiltrados. De acordo com Paulo Flor, a polícia portuguesa recebe informações das autoridades francesas que permitem à polícia pôr em prática alguns procedimentos. E como? “Perceber sobre quem e o quê recai a ameaça e antever os hipotéticos focos da ameaça para os neutralizar o mais rápido possível”, mas também, o trabalho feito pelas “equipas de Reação Tática encobertas da Unidade Especial de Polícia (UEP) que atuam dissimuladas no terreno em locais de maior risco. Há muitas opções táticas e de vigilância da PSP que escapam à vista desarmada, numa situação de risco extremo e naturalmente que assim continuarão pela reserva que isso implica”, esclarece o subintendente.

Diferenças para França

Como os serviços secretos portugueses não têm competências de investigação criminal, não podem fazer escutas. E mesmo a Polícia Judiciária, que tem essas competências, também só pode fazer escutas no âmbito de um processo. E isto marca uma diferença, por exemplo, em relação a França. Naquele país, onde o atentado contra o Charlie Hebdo apanhou toda a gente de surpresa, os serviços de informação (semelhantes ao nosso Serviço de Informação de Segurança) têm competências de investigação criminal o que lhes permite abrir processos como uma polícia normal, mas também lhes dá outra capacidade de ação.

Em França é possível ter indivíduos sob escuta o que permite, segundo uma fonte de investigação disse ao Observador, também localizar quase em permanência os indivíduos sobre os quais recaem suspeitas. Além disso, os serviços de informação franceses podem fazer revistas e buscas, mesmo que não haja muitos indícios.

Como é feito?

De acordo com a mesma fonte, os serviços de informação portugueses recorrem sobretudo a fontes, além do trabalho de campo. E essas fontes são de várias ordens. Podem ser pessoas em locais estratégicos, onde podem ser reconhecidos alguns membros como perigosos, como mesquitas ou junto da própria comunidade islâmica e dos responsáveis. Mas além disso, os serviços estão atentos a fenómenos de violência, a agressões com algum intuito religioso e ainda a agressões a mulheres, nessas comunidades, por exemplo. Estas informações vão sendo trabalhadas e alguns indícios fortes permitem a identificação de indivíduos.

Além destas fontes, há ainda observatórios do terrorismo (oficiais e não oficiais) e cooperação internacional. A monitorização de fluxos – a mesma fonte salienta aqui a importância da polícia de estrangeiros e fronteiras – é ainda muito importante.

Radicalização na internet

Depois de um acontecimento como o que aconteceu em Paris, as autoridades estão mais atentas às movimentações em fóruns ou em redes sociais, mas isso serve sobretudo para a monitorização de futuras ações terroristas e pouco para o rastreamento de potenciais terroristas.

Do lado da PSP, a polícia “possui uma rede estruturada de inteligência policial, assente nas informações e na investigação criminal, que trabalha a montante destes cenários e que analisam as fontes necessárias e adequadas para garantir a jusante que a intervenção operacional esteja guarnecida com toda a informação atual”, adiantou Paulo Flor, o porta-voz da PSP.

Mas não é só a PSP a fazer este rastreio. Fonte dos serviços de informação explicou ao Observador que o recrutamento acontece menos nas redes sociais do que ao vivo. Ou seja, há aliciamento de muitas pessoas, mas nestes momentos “há muita espuma por cima da espuma dos dias”, que é como quem diz: há muito ruído e fica mais difícil perceber ameaças.

Os portugueses que estão neste momento nas fileiras do Estado Islâmico, lembra a mesma fonte, saíram de Portugal e foram recrutados, sobretudo, em países onde há uma forte presença da comunidade islâmica e, mais que isso, de radicais islâmicos.

A monitorização de redes sociais e fóruns é, no entanto, o prato do dia de alguns membros das equipas de investigação, mais lá fora do que cá dentro. “A internet é apenas um meio usado depois da radicalização”, diz a mesma fonte.

Mas nem sempre foi fácil fazer o rastreamento online de potenciais terroristas. Rui Pereira lembra que quando foi diretor do SIS, entre 1997 e 2000 “só havia um computador ligado à internet. Eu, em casa também tinha um computador ligado à internet. Na verdade, o SIS tinha a mesma capacidade de atuação que eu”. Quinze anos depois, as ameaças correm cada vez mais online e o potencial de ação também aumentou.

Comunidade mais pacífica

Por cá, se os meios e as possibilidades de investigação são reduzidos, há o outro lado da balança que faz com que o risco de ameaça de ataques de jihadistas também seja menor. O relatório anual de Segurança Interna de 2013 apontava para ligações de alguns cidadãos portugueses a organizações extremistas, mas em relação a este assunto, questionada pelo Observador, a PSP prefere não se pronunciar “sobre esta matéria por ser reservada”. Mas como a comunidade é menor, existe um menor número de pessoas com tendências radicais.

“Os perigos existem mesmo. O perigo de atentados existe em todo o mundo incluindo Portugal. O perigo é menor cá porque a comunidade islâmica é mais pacífica, melhor integrada e com menos elementos fundamentalistas”, diz o ex-ministro ao Observador. “Mesmo ao nível do recrutamento, há muito mais em Espanha, Inglaterra ou França que em Portugal”.