O retrato de Sharbat Gula, captado pelas lentes da objetiva de Steve McCurry, percorreu o mundo em 1985, quando foi capa da revista National Geographic. A menina dos olhos verdes tornou-se um símbolo da comunidade de refugiados afegã que fugiu para o Paquistão à procura de um futuro melhor. Em 2002, voltou a ser capa da publicação, desta vez com 30 anos, casada e mãe de três crianças – uma outra teria morrido ainda bebé. Agora, no entanto, Sharbat Gula tornou-se novamente notícia: é acusada de falsificação de documentos pelas autoridades paquistanesas.

O caso foi denunciado pelos órgãos de comunicação social paquistaneses, que divulgaram a fotografia do cartão de identidade nacional de Sharbat Gula – um documento apenas disponível para quem nasceu no Paquistão e que permite, a quem o detenha, ter um emprego, comprar propriedades ou abrir uma conta no banco. Uma regalia que não está ao alcance da menina-mulher dos olhos verdes ou dos quase três milhões de afegãos que vivem no país.

Antes um símbolo dos refugiados que escaparam do Afeganistão depois da invasão soviética, Sharbat Gula é agora o rosto mais conhecido de uma rede de corrupção instalada no Paquistão. Faik Ali Chachar, porta-voz da Autoridade Nacional de Registos, citado pelo Guardian, revelou que, até ao momento, já terão sido detetados mais de 22 mil bilhetes de identidade na posse de afegãos. Documentos conseguidos através de contactos paquistaneses que trabalham ou tem ligações à administração pública.

Terá sido dessa forma que Sharbat Gula conseguiu obter a cidadania paquistanesa, mesmo não o sendo. No entanto, em agosto de 2014, o seu cartão de identidade foi detetado e bloqueado pelas autoridades, num processo que culminou com a suspensão de quatro funcionários da Autoridade Nacional de Registos, alegadamente envolvidos na falsificação do documento.

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Casos como o de Sharbat Gula tornaram-se cada vez mais frequentes desde que o Governo paquistanês decidiu apertar a rede à comunidade de refugiados afegã, a segunda maior do mundo e vítima frequente de ataques motivados pelo ódio racial.

O Governo paquistanês tem tentado, por diversas vezes, adotar medidas legais para forçar os refugiados afegãos a deixarem o país, mas sem grande sucesso. A paciência dos paquistaneses parece, no entanto, estar a esgotar-se como se pode perceber pelas palavras do deputado Hamid-ul-Haq: “Precisamos que eles deixam o Paquistão porque nós estamos a sofrer. Todas as nossas ruas, as mesquitas e as escolas estão sobrelotadas por causa deles. É tempo de abandonarem o Paquistão de forma honrada”.

Muitas vezes associados à prática de crime e de atos de terrorismos, os afegãos são várias vezes alvo de ataques. Depois do atentado registado em dezembro de 2014 contra uma escola militar, perpetrado por forças taliban e que provocou a morte de mais de 130 alunos, o discurso contra os refugiados subiu de tom.

Entretanto o diretor o diretor da Human Rights Watch-Ásia a criticou abertamente o Executivo liderado pelo primeiro-ministro Nawaz Sharif, acusando-o de estar a tentar repatriar de forma “potencialmente ilegal” milhões de refugiados afegãos:

“O Governo do Paquistão está a manchar a merecida reputação do país em relação à hospitalidade que tem para com os refugiados, ao tolerar a repatriação coerciva, punitiva e potencialmente ilegal de refugiados afegãos”.