A província da Caríntia, no sul da Áustria, enfrenta o risco de falência depois de terem sido descobertas perdas inesperadas num “banco mau” que nasceu da nacionalização do Hypo Alpe Adria, em 2008. Reconhecidas estas perdas, que superam os 7,6 mil milhões de euros, as autoridades públicas intervieram no fim de semana neste “banco mau”, impondo uma moratória aos pagamentos de dívida até 2016 e colocando um grande ponto de interrogação sobre o que vai acontecer à dívida garantida pela região da Caríntia que permanecia no balanço do “banco mau”. São mais de 10 mil milhões de euros. A capital, Viena, garante que não irá assumir essas responsabilidades e, nesta fase, até mesmo os credores mais protegidos, os detentores da chamada dívida sénior, enfrentam o risco de perdas, num processo que o The Telegraph compara à bancarrota de Detroit, nos EUA, em 2013.

O resumo da história é o seguinte: o Hypo Alde-Adria Bank foi nacionalizado em 2008, na mesma altura em que um banco alemão com um nome parecido (Hypo Real Estate) foi resgatado na Alemanha. Desde então, mais de 5,55 mil milhões foram injetados pelo Estado austríaco no banco, para tapar o buraco que era conhecido. Mas, no ano passado, à medida que o governo vertia na lei as mesmas novas regras europeias que enquadraram, por exemplo, a resolução imposta no Banco Espírito Santo, foi criado um “banco mau”, ou “banco tóxico”, conhecido como Heta Asset Resolution AG.

Despido dos ativos saudáveis do Hypo Alpe-Adria, como uma unidade bancária nos Balcãs que já tem venda marcada, o Heta tornou-se um “banco tóxico” sem licença bancária – o que implica que não está ao abrigo das regras europeias que estabelecem a ordem de perdas entre acionistas e obrigacionistas das diferentes qualidades. A única função do Heta é vender os vários ativos que ficaram neste “banco tóxico”, uma situação que fica entre a Parvalorem com o BPN, também nacionalizado em 2008, e o “banco mau” que restou da resolução do Banco Espírito Santo e da criação do Novo Banco.

7,6 mil milhões de esqueletos no armário

A situação agravou-se, subitamente, com uma avaliação rigorosa feita ao balanço do Heta, que revelou que os ativos não valem tanto quanto se contava. Resultado: um buraco de 7,6 mil milhões de euros, restos de uma expansão frenética na Europa de Leste e nos Balcãs. A forte valorização do franco suíço depois da decisão recente do Banco da Suíça, que tornará insuportáveis as prestações de crédito (pagas em francos) de muitos clientes austríacos, terá penalizado a análise do valor dos ativos do Heta. Um problema que tem, também, preocupado a unidade polaca do Millennium BCP.

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Perante as perdas, o banco central interveio e impôs uma moratória até 2016 para dar tempo para que seja gizado um novo plano para o Heta. O que o ministro das Finanças da Áustria, Hans Jörg Schelling, garante é que “o governo não irá entregar nem mais um euro do dinheiro dos contribuintes no Heta“. Nem mesmo para compensar os investidores em obrigações (mesmo as de maior qualidade, as seniores) que foram emitidas com a garantia do governo regional da Caríntia, assegura o responsável. “Quem compra uma obrigação devia saber que qualquer obrigação tem risco, seja comprada onde for”, acrescentou o responsável.

Ainda assim, Viena garantiu que os mil milhões de euros em dívida garantida pelo Estado estão a salvo, mas o mesmo não acontece com os mais de 10 mil milhões em dívida garantida pelo governo regional da Caríntia. A história poderia ser diferente se o Heta fosse um banco ou mesmo uma empresa normal. Um processo de insolvência teria um maior enquadramento legal que facilitaria um processo como este. Mas o Heta, não sendo um banco mas, sim, uma entidade cuja missão (já) é vender os seus ativos ao melhor preço, o caso complica-se.

Quanto é 10 mil milhões a dividir por 550 mil?

Os pouco mais de meio milhão de cidadãos da região da Caríntia, que no Sul da Áustria faz fronteira com a Eslovénia e com Itália, podem estar, assim, à beira de serem chamados a pagar parte ou a totalidade dos 10 mil milhões que o Hypo Alde-Adria Bank tinha emitido com garantia do seu governo regional. Uma prática que, como explica o The Wall Street Journal, foi proibida há quase 10 anos mas que, devido aos períodos de transição e às maturidades longas com que a dívida foi emitida, não evita que continue a haver muitos títulos a circular com estas características.

O presidente do governo regional, Peter Kaiser, diz que o seu governo não é responsável por estas dívidas a menos que o Heta seja declarado insolvente. O que não foi, pelo menos ainda. Apenas houve a intervenção do banco central e a moratória aos pagamentos de dívida. Não havendo uma insolvência, o argumento de Peter Kaiser é que não deve ser acionada a garantia do governo regional. Ao mesmo tempo que as autoridades tentam falar com os detentores das obrigações em causa, entre os quais estão grandes fundos internacionais como a Pimco, afigura-se como provável uma longa batalha judicial tendo em conta as perdas parciais – 50%, segundo alguns relatos – que os obrigacionistas privados estão a ser convidados a aceitar.

Entretanto, o governo central da Áustria perdeu o rating máximo (AAA) aos olhos da agência Fitch, no mês passado, em parte devido à opinião da agência de notação de que a Áustria está a marcar passo nas reformas na economia e que arrisca um aumento de dois dígitos no peso da dívida face ao produto interno bruto (PIB), sobretudo se se agravarem os problemas no setor bancário. Isto não impediu, contudo, que o Estado austríaco continue a conseguir emitir dívida de longo prazo com taxas de juro abaixo de zero, fruto das políticas de estímulo do Banco Central Europeu (BCE).