A administração do Grupo Espírito Santo (GES) sabia que existia risco de default (incumprimento) na dívida da Rioforte desde, pelo menos, o final de março de 2014. Num memorando enviado por João Martins Pereira ao então presidente da Rioforte, Manuel Fernando Espírito Santo, e a Domingos Pereira Coutinho, administrador da Espírito Santo Internacional (ESI), era reafirmada:
“a nossa preocupação, já anteriormente expressa, quanto ao cumprimento atempado do reembolso das emissões da ESI, e agora também da Rioforte, colocadas nos clientes de retalho do BES, atendendo à exigência do calendário de vencimentos (quer em montantes, quer em prazos) e, por outro lado, a grande incerteza existente quanto às operações previstas para a obtenção dos fundos para lhe fazer face”.
O memorando enviado agora à comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do Banco Espírito Santo e GES tem a data de 29 de março de 2014, cerca de uma quinzena antes de a Portugal Telecom renovar as aplicações de 900 milhões de euros na holding não financeira do GES. A aplicação inicial da PT na Rioforte foi decidida em fevereiro, quando se trocou a ESI por esta holding.
A renovação foi feita por instrução de Henrique Granadeiro porque as necessidades de tesouraria da PT, para financiar o aumento de capital da Oi, foram adiadas. Granadeiro testemunhou no Parlamento que Ricardo Salgado, antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES), não lhe contou sobre as dificuldades do grupo. Os ex-gestores da PT defendem que foram enganados pelos responsáveis do banco e que desconheciam as reservas às contas da Rioforte, cujo relatório só terá sido tornado público em junho.
Na mensagem de 29 de março de 2014, enviada por quadros que estavam a apoiar a reestruturação da área não financeira do GES, a preocupação centra-se no reembolso dos clientes de retalho do BES que tinham comprado papel comercial da Rioforte. Não é feita referência ao investimento de clientes institucionais, designadamente da Portugal Telecom, em dívida da Rioforte. Estes títulos que estavam de fora da garantia de proteção que tinha sido imposta pelo Banco de Portugal junto da Espírito Santo Financial Group. O banco estava proibido de vender papel comercial da ESI e da Rioforte desde 14 de fevereiro de 2014.
Na mensagem remetida a 22 de março para os administradores da Rioforte e da ESI, os responsáveis pela reestruturação recordam que o Banco de Portugal já informou que não autorizará a venda de mais papel comercial a clientes de retalho, o que irá representar “uma pressão adicional sobre a tesouraria conjunta do GES (Rioforte + ESI e outras holdings)”.
Grupo Amorim terá aplicado 34 milhões em dívida do GES
Os memorandos de 22 e 29 de março de 2014 revelam que estava a ser negociada a colocação de 50 milhões de euros de dívida entre clientes do Crédit Suisse e do ES Dubai, tendo sido entretanto colocados 34 milhões de euros junto do Grupo Amorim. Existiam ainda negociações para vender dívida à empresa brasileira Asperbas e obter um empréstimo para a Rioforte junto do Montepio.
O memorando foi remetido por João Martins Pereira, o ex-quadro do BES e antigo administrador da Espírito Santo Financial Group (ESFG) que estava a dar apoio ao plano de reestruturação da ESI, a pedido de Ricardo Salgado. O documento é também assinado do lado do remetente por Carlos Calvário, que foi, também, diretor do BES com a responsabilidade pela área do risco, e por Nelson Pita, que foi diretor de contabilidade do banco. Do lado do destinatário estão Manuel Fernando Espírito Santo, Domingos Pereira Coutinho e Jorge Espírito Santo, um quadro do GES ligado às operações financeiras internacionais do grupo.
Incerteza sistemática sobre entrada de fundos
O alerta endereçado aos quadros do GES reflete as dificuldades crescentes sentidas ao nível do grupo em matéria de financiamento e tesouraria e o sentimento de apreensão que se vivia no grupo quando já se sabia que alguma comunicação sobre os problemas da área não financeira teria de ser feita ao mercado. Logo a 22 de março, é sublinhado “um muito exigente calendário de vencimento (quer em montantes, quer em prazos) e, por outro lado, uma grande incerteza quanto às operações previstas para a obtenção de fundos para fazer face àqueles”.
O documento refere “incertezas sistemáticas quer do lado das entradas de fundos, quer do lado da renovação das colocações de emissões junto dos clientes da ESFG, as quais acabam por ser conhecidas [em cima da hora]”. São ainda emitidos avisos para o impacto da demissão de administradores que criou constrangimentos ao nível do governo da sociedade nas empresas do grupo. Uma das saídas referidas é a de Machado da Cruz, o contabilista que Salgado responsabilizou pelas irregularidades nas contas da Espírito Santo Internacional.
Os dois memorandos enviados por João Martins Pereira fazem o ponto de situação do reembolso de papel comercial da ESI vendido aos clientes do BES e da conta escrow criada no banco pela ESI que tinha como único propósito pagar a estes investidores. No final de 2013, os clientes de retalho tinham 1.700 milhões de euros de dívida da ESI, valor que foi sendo reduzido, em parte porque foi substituído por instrumentos de dívida da Rioforte.
É também avaliada a situação de tesouraria da Espírito Santo Internacional e das suas subsidiárias, incluindo a Rioforte. E alerta-se para o impacto “impossível de quantificar neste momento que as sucessivas notícias entretanto saídas na imprensa venham a ter no que respeita ao posicionamento que irá ser adotado por parte das entidades tomadoras de dívida e capital do GES”.