“Mandar a bola para a quinta.”

É uma expressão tramada no mundo da bola, das feias, que poucos gostam de dizer e muito menos de, na prática, a levar à letra. Também é simples porque explicá-la é fácil: significa atirar a bola para longe com um chutão para a frente, sem nexo, afastando-a da defesa ou de uma situação de aperto. Se ela acabar fora do campo, melhor ainda. Porque há treinadores que preferem evitar chatices metendo a bola a voar do que remediá-las com a bola colada à relva. Mas Paulo Fonseca e Marco Silva, não.

Às vezes é preferível, sim, sobretudo quando os treinadores olham para o campo e lá não veem jogadores com pés e calma suficientes para arriscar um passe, uma receção de bola com um adversário bem perto ou uma simulação para tirar alguém do caminho. Mas Paulo e Marco, lá está, têm-nos. E por isso, na Mata Real, parecia que tinham feito um pacto — hoje joga-se com a bolinha na relva e ninguém a despacha para longe. Houve uma prova logo ao início, quando Tobias Figueiredo, por ser o mais novato na defesa do Sporting — que jogava com a sexta dupla de centrais diferente esta época –, foi pressionado de perto por dois homens do Paços de Ferreira nas primeiras duas vezes em que tocou na bola.

Paços de Ferreira: António Filipe; Rodrigo Galo, Ricardo, Fábio Cardoso e Hélder Lopes; Sérgio Oliveira, Seri e Ruben Pinto; Manuel José, Bruno Moreira e Vasco Rocha.

Sporting: Rui Patrício; Miguel Lopes, Tobias Figueiredo, Ewerton e Jefferson; William Carvalho, João Mário e André Martins; Nani, Slimani e André Carrillo.

E o que fez? Não inventou, jogou simples e colocou sempre a bola no pé de outro leão que por ali perto andasse a mexer-se para a receber. Até ao intervalo foi isto que se viu dos dois lados, de quem vestia de verde e branco e amarelo. Porque se Marco Silva teve em William, André Martins e João Mário médios que foram trocando a bola a um, dois toques, sempre para o pé de algum leão e optando sempre pelo passe mais simples, Paulo Fonseca habituou o Paços, ao longo dos meses, a adorar a calma e a insistir em manter os passes colados à relva. E enquanto Nani, aos 6’, disparava o primeiro remate do jogo, Slimani via um golo ser-lhe anulado por fora de jogo, no minuto seguinte e, aos 14’, António Filipe agarrava os pontapés de Nani e Jefferson, os de amarelo não tremiam.

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Seri ia sempre à beira da área buscar a bola dos defesas ou mesmo do guarda-redes, que a entregava logo. Percebe-se: este costa-marfinense tem pinta de craque e é dono de uns pés afinados que tanto servem para ser um trinco de passes curtos como um ‘8’ que sabe fazer a bola viajar e inventa passes longos direitinhos ao destino. Os centrais insistiam em jogar curto e Sérgio Oliveira era como um farol que o Paços procurava para lhe colocar a bola no pé e deixar o médio decidir o que lhe fazer. Aos 30’, porém, decidiu mal, quando tinha Slimani nas costas e se tentou virar, a meio campo: perdeu a bola para o argelino, ficou a queixar-se de uma falta, e viu o avançado soltar em Nani, arrancar num sprint e ir à área receber a bola de volta do extremo. Aí, só teve de encostar para o 1-0 e o décimo golo no campeonato.

Arriscar, às vezes, dá nisto e coloca a equipa mais a jeito de errar e sofrer com isso. Isso viu-se já perto de toda a gente ir descansar para o balneário, quando a insistência em todas as jogadas começarem em Seri, perto da área, fez com que o Paços de Ferreira perdesse muitas bolas — o Sporting não demorou a perceber que a pressão tinha de ser montada logo ali perto do costa-marfinense. Paulo Fonseca teria de mudar alguma coisa para baralhar os leões.

Demorou a fazê-lo. Ou aliás, nunca o fez. Na segunda parte viu-se como a equipa da capital do móvel ia perdendo mais bolas do que o costume, e só não sofreu, e muito, com isso, porque a equipa de Alvalade desperdiçava oportunidades como, por vezes, já fez esta temporada. Aos 47’ foi o central Ricardo a querer sair a jogar, perder a bola para Slimani e, depois, conseguir redimir-se quando roubou a bola ao argelino. Depois, aos 60’, e mesmo com tempo e espaço que poucas vezes tinha, Seri vê William Carvalho intercetar um passe curtinho que deveria chegar a Vasco Rocha. O médio do Sporting tocou de primeira em Slimani e o argelino lançou logo João Mário, que percorreu o túnel de espaço que tinha à frente, mas, à saída de António Filipe, rematou ao lado. Desperdício, 1. João Mário, 0.

Logo no minuto seguinte, um contra-ataque vai parar à esquerda, deixa a bola em Nani, que a leva a passear para o meio, já na área, antes de a largar à frente da corrida de Carrillo, cujo pontapé foi direito ao corpo do guarda-redes. Aos 72’, entre os erros no passe que já eram de estranhar, o Paços ameaçou quando Vasco Rocha, à entrada da área, rematou uma bola que só não parou na baliza porque Tobias Figueiredo apareceu no caminho. Depois, aos 72’, outro passe falhado acabou numa correria de Miguel Lopes com a bola, antes de a cruzar para João Mário que, perto do segundo poste, e sem saltar, a cabecear bem ao lado da baliza. Desperdício, 2. João Mário, 0.

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O desperdício, pela segunda vez, voltava a assombrar o médio e o Sporting, de novo, deixava o marcador estar quieto no 1-0. Mas o Paços de Ferreira não. E não o deixou depois de João Mário, em vez de manter a bola na relva, num passe curto, a tentou picar para lançar um contra-ataque à boleia de Carrillo. Falhou, a bola acabou no peito de Rodrigo Gallo e, aí, talvez Marco Silva terá pensado o porquê de a bola não ter ido parar à quinta, já que a equipa tinha acabado de recuperar a bola e estava pressionada. E tê-lo-á pensado de novo quando o lateral direito, após correr uns metros com a bola, disparou uma bomba que passou por cima de Rui Patrício e foi explodir dentro da baliza. Golaço, 1-1 e Sporting castigado por errar.

De repente aparecia a urgência, pois um empate daria mais peso à âncora que puxa o Sporting para longe do segundo lugar. A bola, a partir daqui, lá começou a andar mais vezes pelo ar, de um lado para o outro, à boleia do Sporting. A equipa tentou, insistiu, chegou-se à frente, mas perigo foi coisa que só apareceu quando parou a bola por duas vezes. Na primeira, um livre de Jefferson, aos 82’, viu Ewerton antecipar a cabeça às mãos de António Filipe a rematar uma bola que passou a centímetros da barra. Depois, aos 88’, foi o outro central, Tobias, a saltar para, num canto e perto do segundo poste, cabecear uma bola que, esta sim, o guardião do Paços conseguiu agarrar.

Último apito, fim do jogo e resumo a ter que ser feito. A bola andou muito tempo, e bem, colada à relva, em passes curtos e a ser usada na insistência das duas equipas em não a levantar ou pontapear sem critério. O Paços de Ferreira “quis ter a bola”, como disse Paulo Fonseca no final, e teve-a — chegou ao intervalo e ao final do jogo com 53% da sua companhia e fez mais passes (427 contra 419) que o Sporting. E por a ter durante muito tempo e não variar no uso que lhe queria dar, errou muito. E foram esses erros, como também sublinhou o treinador, que deram oportunidades a um Sporting que “tem de estar focado no jogo”, porque “não pode desperdiçar golos cantados”, como lamentou Marco Silva. Depois, há as contas. Elas dizem que os leões, com este empate, está a 11 pontos do Benfica e se habilita a ficar a oito do FC Porto. E mostram também que Paulo Fonseca, nas três vezes em que defrontou o Sporting, para a liga (Paços de Ferreira e FC Porto), nunca perdeu.