Tem 61 anos e não é um político. Com dois doutoramentos, um em Educação pela Universidade de Genebra, e outro em História, pela Sorbonne, de Paris, é um académico que tem ganho notoriedade política na sequência de discursos onde arrisca falar do estado do país. No ano passado esteve quase a tempo inteiro em Brasília, numa missão internacional da UNESCO junto do Governo brasileiro, onde percorria a cidade de uma ponta à outra de bicicleta. Aterrado em Lisboa, é candidato a candidato presidencial.

Este sábado, ao Jornal de Notícias, Sampaio da Nóvoa esteve perto de confirmar que vai anunciar a sua candidatura a Belém e que o fará muito brevemente. “Não é sério dizermos que somos candidatos em outubro para umas eleições que acontecem dois meses depois. Não pode ultrapassar o mês de abril”, vaticinou.

Resta saber se será com ou sem o apoio do Partido Socialista. É que Sampaio da Nóvoa não é, de longe, um candidato consensual. Parece agradar mais à direita do que à esquerda, porque a divide. E no PS, ainda se espera António Guterres por isso, para já, o ex-reitor da Universidade de Lisboa não satisfaz as hostes.

Mas, afinal, como passou António Sampaio da Nóvoa, o reitor, para a qualidade de António Sampaio da Nóvoa, o putativo candidato da esquerda que espera ser apoiado pelo PS? Qual a sua visão para o país?

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Em 2012 proferiu o discurso que o catapultou para a ribalta. Foi nas comemorações do Dia de Portugal, 10 de junho de 2012, que organizou e que, na qualidade de organizador, discursou para o país. Recebeu mais aplausos do que o discurso do próprio Presidente da República e, nessa altura, começou a ser apontado para a Presidência. Mas ainda faltava muito tempo e o assunto foi esmorecendo. Certo é que a sua intervenção se tornou viral porque tocou na ferida, ao falar sobre o país e sobre o futuro do país no auge da crise e da austeridade.

Nesse ano esteve no Congresso Democrático das Alternativas, ao lado de nomes da esquerda como Mário Soares, que já se mostrou favorável à sua candidatura. Antes, entre 1996 e 1999, tinha sido consultor para a Educação da Casa Civil do Presidente da República, Jorge Sampaio, e manteve-se sempre ligado ao espetro político mais à esquerda, com maior ou menor intervenção pública.

Em novembro de 2014 foi um dos convidados de António Costa, para discursar no congresso socialista, que o aplaudiu de pé. Os aplausos repetiram-se com o mesmo entusiasmo quando, em março, foi um dos oradores do congresso da cidadania organizado pela Associação 25 de Abril. O presidente do PS, Carlos César, que já sinalizou o seu parecer favorável, estava na primeira fila e foi um dos primeiros a cumprimentá-lo.

Sobre as presidenciais

Em outubro de 2014, numa grande entrevista ao Jornal de Negócios, dizia que “não tinha carreira política” e que “não queria ocupar lugares”. Mas já nessa altura, quando questionado sobre uma eventual candidatura às presidenciais, não quis descartar qualquer hipótese.

“Fiz a minha vida na universidade. Em todos os lugares que ocupei, nunca quis ocupar lugares. Se tenho algum projeto de vida, todos os meus amigos o sabem, é poder ler e escrever até ao fim dos dias. Mas é verdade que sinto uma certa responsabilidade geracional. Sinto que quando chegamos a um determinado momento das nossas vidas, e se pudermos ajudar em certas coisas, temos a obrigação de o fazer. Sempre que seja para uma lógica de mudança, estarei disponível. Disse uma vez: ‘Não quero nada, mas estou disposto a dar tudo'”, disse.

Uma coisa é certa: Sampaio da Nóvoa quer “mudança e um novo ciclo político para Portugal”. E é por isso que se mostra “disposto a dar tudo pelo país, seja em que lugar for”, como reiterou este sábado numa entrevista ao Jornal de Notícias, onde não confirmou preto no branco que era candidato às presidenciais, mas onde foi claro a confirmar que o anúncio, a acontecer, será ainda este mês.

A velha questão do timing (sobre qual é, afinal, o tempo das presidenciais neste ano carregado de eleições) tem feito os putativos candidatos da direita, como Marcelo Rebelo de Sousa e Pedro Santana Lopes, andarem às turras. Mas sobre isso Sampaio da Nóvoa tem uma ideia clara: o anúncio da candidatura tem de ser antes das legislativas, porque “não é sério” esperar por outubro para dizer que “somos candidatos a umas eleições que são dois meses depois (em janeiro)”.

E, sobre isso, critica o “turbilhão das últimas semanas”. “Tem havido uma banalização, até uma certa ridicularização de um momento que é decisivo para os portugueses (…) Esse momento de brincar ao esconde-esconde tem de acabar, é preciso que as pessoas afirmem as suas decisões, as suas ideias para o país”, disse.

Ainda assim, o ex-reitor sabe que os próximos meses vão andar a duas velocidades: “Tenho consciência que antes do tempo das eleições presidenciais, que é dos cidadãos, há o das legislativas, que é dos partidos”, disse ao JN.

Sobre os políticos

Ultimamente, Sampaio da Nóvoa tem sido mais duro sobre o papel dos políticos do sistema e das políticas do sistema, a que chama de “políticas de vistas curtas”. No congresso na Associação 25 de Abril, falou na urgência da “regeneração do sistema político”, para acabar com o sistema de políticas “incompetentes, de vistas curtas, que nos colocaram num labirinto para o qual parece não haver saída”.

Recusou que a política precise de heróis – “Ai do povo que precisa de heróis (Brecht)” – e criticou os “políticos antigos”. “Com políticos antigos não haverá políticas novas. Ficará tudo enredado em calculismos, golpes, hesitações, sem elevação e sem futuro. Recusemos sebastianismos, populismos, justicialismos, que são o pior da nossa história”, disse.

Mas mais do que isso, fez aquilo que se entendeu ser uma referência subentendida aos agentes políticos entretanto acusados de crimes ligados a corrupção, branqueamento de capitais ou fraude fiscal para dizer que “quem gostar muito de dinheiro deve afastar-se da política”.

“José Mujica, Presidente do Uruguai, teve a coragem de dizer que quem gosta muito de dinheiro deve afastar-se da política. Se tivermos as mãos atadas por teias e arranjos, não teremos condições para defender o interesse público, de todos”, disse, classificando a “sucessão de ‘casos’ no último ano” de “insuportáveis”. “Não os vou nomear, sabemos quais são, não estou a acusar ninguém, que se faça justiça. Mas não podemos tolerar isto nem mais um minuto”, disse.

Sobre a necessidade de mudança

As eleições legislativas deste ano têm de ser, para Sampaio da Nóvoa, uma “mudança de ciclo”. Dizia-o em outubro de 2014, na entrevista que deu ao Jornal de Negócios, e tem-no dito repetidas vezes desde então: “Creio que Portugal precisa de abrir um tempo novo na sua história, na sua vida política. Este tempo da troika está esgotado. Não consigo separar este Governo da troika nem a troika deste Governo. O Governo já não devia existir. Parece-me óbvio que já devia ter sido demitido”, disse à jornalista Anabela Mota Ribeiro.

Nessa altura falava na necessidade de se acionarem “energias de mudança”, que não têm necessariamente de coincidir “com a tradicional clivagem entre a esquerda e a direita. Têm outras configurações que temos que perceber neste século XXI”, dizia.

Um mês depois, em novembro, chamado a discursar no congresso do PS que designou António Costa como líder do PS, fez os militantes levantarem-se para aplaudir quando disse que não se iria calar nem fugir, e que iria dizer “presente” à mudança. “Não quero perder Portugal, nem por silêncio nem por renúncia”. “Precisamos da coragem de reunir, de reagrupar todas as energias da mudança, dentro e fora dos partidos”, disse, deixando a porta aberta a uma candidatura: “Venho dizer-vos presente. Neste tempo tão duro, ninguém tem direito de se demitir, omitir”,

“É tempo de mudar de politica, é tempo de mudar Portugal”, disse na mesma altura.

Já em março deste ano, no congresso da cidadania organizado pela Associação 25 de Abril voltava a dizer que essa necessidade de mudança se mantinha e que estava presente. “Chegou o tempo da coragem e da ação”, “esta Europa e este União Económica e Monetária já não nos servem”, dizia. “Tal como em abril temos que ser nós a dar um contributo para alterar o panorama europeu. Podemos, sim. Não somos uma jangada. É na Europa que podemos afirmar a nossa posição”.

“Já dissemos tudo o que tínhamos para dizer, e até para dizer uns aos outros. Agora, chegou o tempo da coragem e da ação”, disse na Associação 25 de abril.

Sobre austeridade, pobreza e desigualdades sociais

A pobreza e as desigualdades sociais foram o foco do seu discurso em 2012, no Dia de Portugal, que o tornou célebre. Nessa altura, foi duro e incisivo no que diz respeito às políticas de austeridade do Governo. Dirigiu-se aos portugueses desempregados, que viviam em situações de pobreza e disse ‘Eu penso nos outros, logo existo’, deixando claro que a “regra de ouro de qualquer contrato social deve ser a defesa dos mais desprotegidos”.

“Quando pensávamos que o ciclo de pobreza marcado pelo atraso e pela sobrevivência tinha acabado, eis que a pobreza regressa, agora, sem as redes das sociedades tradicionais”, disse, sublinhando que “é preciso alternativas e ideias novas”. A valorização do “conhecimento” foi apontada por Sampaio da Nóvoa como o motor económico do futuro: “O drama de Portugal, do nosso atraso e da nossa dependência, tem sido sempre o afastamento das sociedades que evoluíram graças ao conhecimento e à ciência”.

Em março, no congresso de cidadania, disse claramente que a “austeridade é um desastre”. “Todos o reconhecem, mesmo os seus autores, menos aqueles que vivem no país da propaganda do Governo“. E defendeu a a via da renegociação da dívida: “Temos de renegociar a dívida e resolvê-la honradamente, não esquecendo nunca que o nosso principal problema é económico, e não financeiro”.

“A economia do futuro tem um nome: conhecimento. E conhecimento exige tempo, continuidade e investimentos que nunca poderão ser feitos apenas pelos ‘mercados’. Não há inovação sem Estado dinâmico”, voltou a sublinhar.

Sobre a banca, Sampaio da Nóvoa chegou a admitir, em entrevista ao Negócios, “uma coisa que não diria há três anos”: “Temos que ter, não só uma maior regulação dos sistemas bancários e financeiros como também admito que tenhamos que ir para a nacionalização de parte dos sistemas bancários“, disse.

Sobre António Costa

Em outubro, nem um mês depois das primárias socialistas dizia ao Jornal de Negócios que António Costa representava “uma outra cultura, uma outra posição política”. E esperança, nessa lógica. “Há um suplemento de alma que foi dado a estas energias de mudança com a eleição do António Costa. Do ponto de vista de Passos Coelho, temos a ideologia do totalitarismo dos mercados. É a lógica matricial daquela direita, fundamentalista. Portugal é talvez dos países onde essa lógica é levada mais ao extremo, nos discursos e na maneira como este Governo se comporta”, disse.

Questionado sobre se Costa seria uma alternativa, Sampaio da Nóvoa reconheceu a dificuldade e levantou algumas dúvidas: “uma alternativa não se constrói voltando ao mesmo ou aos mesmos. Os brasileiros usam uma expressão: a mesmice. Com uma cultura da mesmice, de voltar aos mesmos erros, às mesmas pessoas, não haverá alternativa nenhuma. Esse é o ponto que está em cima da mesa hoje”, disse.

E deixou um recado ao agora líder socialista: “dividir é muito fácil, unir é muito difícil. Esse processo de reunião, de reagrupamento dessas energias de mudança, é difícil”.

Sobre a liberdade

À jornalista Anabela Mota Ribeiro, em outubro, dizia que a liberdade era para sempre a sua “âncora”. “No meio disto tudo, onde é que está a liberdade? A liberdade, hoje, está no reforço da sociedade”. E como se reforça a sociedade? Diminuindo as burocracias, disse. “Isso implica que a liberdade não esteja asfixiada por um Estado que toma conta de tudo e das suas vidas, e que se transforma rapidamente numa estrutura pesada. Vivi isso na universidade. É insuportável a maneira como a nossa vida está controlada por burocracias”, disse nessa altura.

“Devo a abril tudo o que sou. Se estamos aqui é porque somos abril. Porque quando tudo parecia bloquado, a coragem iniciou uma rutura logo abraçada como utopia. Nesse dia, depois dos capitães, houve a rua, e foi na rua que os portugueses fizeram a liberdade”, disse, em março.

No congresso de cidadania da Associação 25 de abril, por fim, disse que não tinha medo de assumir desafios políticos, sem os nomear porque era um homem livre. “Somos e seremos sempre aquilo em que acreditarmos. Pela minha parte, não tenho medo, sou livre. É preciso liberdade desta para servir. A ousadia é já metade da vitória. Juntos ganharemos o que perdemos separados. A eternidade é hoje ou não será nunca”, disse.

E foi mais longe, citando Humberto Delgado para dizer: “Estou pronto a morrer pela liberdade. E a liberdade hoje é o poder de decidir, nas nossas vidas pessoais e nas nossas vidas coletivas”.

Já em 2012, no célebre discurso do 10 de junho, tinha citado Miguel Torga: “Há a liberdade de falar e há a liberdade de viver, mas esta só existe quando se dá às pessoas a sua irreversível dignidade social”.