Até 2013, o Grupo Espírito Santo (GES) acumulou prejuízos de 5,3 mil milhões de euros, uma dívida superior a oito mil milhões de euros que custou em dez anos uma fortuna em juros: 2.200 milhões de euros em uma década ou 400 milhões anuais nos últimos anos. Estes são alguns dos números apurados nos trabalhos da comissão de inquérito parlamentar aos atos de gestão do Banco Espírito Santo e do GES e que constam da proposta de relatório apresentada pelo relator do PSD.
O documento da autoria de Pedro Saraiva assinala, contudo, que não foi possível perceber qual foi a origem ou origens desta “espiral” de endividamento e perdas.
“Tanto quanto a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) pode averiguar, não existe qualquer apuramento detalhado das origens da geração deste prejuízo acumulado, superior a 5.300 milhões de euros”, e que foi apurado na auditoria da KPMG que detetou a falsificação das contas da holding, cabeça do GES, a Espírito Santo Internacional (ESI).
Ainda segundo o relatório preliminar, conhecido esta quinta-feira, “nenhuma das entidades envolvidas apresentou qualquer documentação em que analisasse de forma detalhada e quantitativa esta questão”. Ainda assim, e considerando o muito que foi dito ao longo de 55 audições que duraram 292 horas e as milhares de páginas de documentos e respostas por escrito, o relator arrisca avançar alguns fatores que podem ajudar a explicar o colapso de um dos maiores grupos económicos portugueses:
1. Pagamento de de juros de 2.200 milhões de euros
2. Prejuízos acumulados na Opway (empresa de construção) de 300 milhões de euros
3. Prejuízos acumulados na Escom (empresa de Angola) de 400 milhões de euros
4. Prejuízos acumulados na Rioforte (holding não financeira) superiores a 400 milhões de euros
5. Existência de resultados transitados fortemente negativos desde longa data na área não financeira, que no caso da ES Resources (antecessora da Rioforte) eram superiores 1.000 milhões de euros já em 2000, ao mesmo tempo que uma visão consolidada da área não financeira, ao nível da ESI, apontava para prejuízos acumulados superiores a 2.000 milhões de euros já em 2006
6. Possíveis atividades e aplicações financeiras efetuadas e ou outras entidades do universo GES que não foram avaliadas no trabalho da KPMG. Os exemplos dados são a ES Enterprise (empresa que é suspeita de funcionar como saco azul para pagamentos de serviços a gestores e terceiros não registados), e as aplicações realizadas pela sociedade financeira suíça Eurofin.
O que efetivamente correu mal em cada uma destas empresas, para absorverem tantos fundos sem retorno e se foram apenas maus negócios ou algo mais, são histórias que, na maioria dos casos, ainda estão por contar. A Escom foi dos casos mais discutido na comissão de inquérito e onde os responsáveis relataram os sucessivos problemas e azares que trouxeram prejuízos imprevistos aos projetos em Angola, desde os diamantes à pesca. A própria Escom tornou-se um grande problema quando o grupo não conseguiu concretizar a venda acordada com a Sonangol.
Um rasto que começa em 2000
Desde, pelo menos, 2000, que foram identificados os problemas estruturais na área não financeira do grupo, que suscitaram um relatório da PricewaterhouseCoopers que alertava para a excessiva exposição do BES ao GES, mas que não chegou ao Banco de Portugal. Em 2006, ou seja, antes da crise financeira que Ricardo Salgado culpa pela queda do grupo, o GES reconhecia os problemas económicos, financeiros e de gestão na área não financeira, tendo avançado com um plano de reestruturação, apenas parcialmente cumprido.
É quando não consegue resolver “atempadamente” os problemas de financiamento da ESI e da área não financeira, que conhecem um agravamento significativo dos custos depois da crise financeira de 2008, que as contas desta holding “foram sucessivamente desvirtuadas, através de uma sistemática ocultação de passivos e/ou sobrevalorização de ativos”. Tendo em conta o estilo da liderança de Ricardo Salgado, a proposta de relatório assume que é provável que ex-presidente do BES “tenha estado envolvido na tomada de decisão de manipulação intencional das contas da ESI desde 2008”
É também na sequência dos efeitos da crise financeira, mas sobretudo da crise portuguesa e do ajustamento que o “GES recorre à exposição do ramo financeiro”, primeiro através de fundos de investimento compostos por títulos de dívida de entidades do grupo e, a partir de 2013, pela venda direta desta dívida (papel comercial) aos clientes do BES.
Apesar do endividamento descontrolado, a ESI pagou dividendos aos acionistas até 2011, e financiou de forma substancial três empresas controladas pela família Espírito Santo, com empréstimos de 470 milhões de euros cujo destino final não foi identificado. Uma parte terá servido para financiar a participação da família em aumentos do capital do BES e outras entidades do grupo, o que questiona a tese de que o problema estava todo na área não financeira.
Outra perplexidade associada à ESI. Como é que uma empresa com este rombo tinha aplicado 745 milhões de euros na Eurofin, uma sociedade com ligações a Salgado, em ativos e fundos dos quais pouco ou nada se sabe.
Nas 380 páginas disponibilidades há, pelo menos, sete espaços em branco que correspondem à informação dada sob reserva do segredo de justiça e que só é acessível aos deputados. As propostas a este documento preliminar serão entregues até dia 23 de abril.