A ministra da Justiça foi esta quarta-feira ao Parlamento defender a polémica proposta de lei sobre a criação de um registo criminal com todos os condenados por pedofilia. Munida com documentos e dossiês pesados para mostrar que a medida está provada, esgotou todo o tempo que tinha disponível na sua intervenção inicial, onde fez um retrato dramático da situação, sem deixar tempo para responder às questões dos deputados.

O retrato deixado na intervenção inicial foi aterrador: uma média de três queixas à PJ por dia e uma elevada taxa de morte no caso das crianças do sexo feminino com menos de cinco anos que são vítimas de abusos, um aumento de 18% dos crimes e uma percentagem de 20% para se referir às mulheres que foram abusadas na infância, entre outras descrições mais ou menos pormenorizadas de abusos sexuais recorrentes.

Na intervenção no plenário da Assembleia da República, Paula Teixeira da Cruz invocou seis acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para justificar o registo de abusadores sexuais de menores. E lembrou que os Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França e alguns Estados da Alemanha já dispõem de uma lista como a que o Governo pretende criar. Mas a oposição contrapôs com a dezena de pareceres que foram pedidos às entidades judiciais, que classificaram a medida de “inconstitucional”, “excessiva” e “desproporcionada”.

No final do tempo parlamentar que lhe cabia, Paula Teixeira da Cruz deixou claro que era altura de tratar das vítimas de abusos sexuais e que não iria “desistir” de combater este crime “hediondo”. O resto do debate desenrolou-se à volta dos partidos da oposição e da maioria, com o CDS a partir mais em defesa da ministra – “não a vamos deixar sozinha porque os portugueses de bom senso também estão do seu lado”, disse o centrista Telmo Correia – do que a bancada do PSD que, fora as intervenções defensivas da deputada Teresa Leal Coelho, por vezes se esquecia dos aplausos. A votação da proposta de lei está marcada para amanhã, sendo que no PSD vai haver disciplina de voto. 

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Oposição pede estudos e ergue bandeira da inconstitucionalidade

O Parlamento uniu-se para dizer que quer combater o crime de pedofilia e proteger as crianças, mas dividiu-se na forma de o fazer. PS, PCP e BE lembraram os pareceres desfavoráveis de entidades judiciais como a PGR, o Conselho Superior do Ministério Público, o sindicato dos juízes, a Ordem dos Advogados e a Comissão de Proteção de Dados para dizer que lista de pedófilos “viola os princípios da Constituição e do Estado de direito” e pediram estudos.

“Esta lista vale o quê? Serve para quê? O que é esta lista?”, questionou a deputada bloquista Cecília Honório, afirmando que todos os estudos, nomeadamente os dados do relatório anual de segurança interna, indicam que os pedófilos são habitualmente familiares e pessoas próximas das crianças em causa, e que “os desconhecidos são apenas 5%”. “Para que vem aqui lançar uma lista de perseguição a desconhecidos?”, voltou a questionar, pedindo à governante que “nos mostre estudos”. Sem tempo para responder, Paula Teixeira da Cruz, empilhou em cima da bancada, à medida que a deputada falava, um conjunto de pesados dossiês e documentos em jeito de resposta.

Também o deputado comunista João Oliveira desafiou a ministra a apresentar estudos com dados sobre a reincidência de crimes sexuais em Portugal, alegando que esses estudos não existem e que há apenas um estudo que fala em “3,4% de casos de reincidência”. “A proposta viola a ação dos tribunais, substituindo-os pela vigilância das pessoas, umas sobre as outras, esquecendo-se dos riscos que isso implica”, sublinhou.

Do lado do PS, a deputada Isabel Oneto questionou mesmo a veracidade das preocupações invocadas pelo Governo para a elaboração desta proposta. “Num país onde 31% das crianças se encontram em risco de pobreza, como encarar a preocupação invocada para a elaboração desta lista”, questionou a deputada, afirmando que a proposta “se trata de uma medida de segurança constitucionalmente proibida”.

Já o deputado centrista Telmo Correia disse que o CDS acompanha a ministra na criação da lista de abusadores sexuais e que, com a existência do registo, Portugal fica ao nível dos países mais avançados no combate aos abusadores sexuais. E a deputada social-democrata Teresa Leal Coelho defendeu a proposta, recusando que se trate de uma pena acessória dos condenados e dizendo que “se há alguma pena perpétua neste caso essa pena é para as crianças abusadas”.