Segunda-feira, 4 de maio de 2015. Neste dia Richie Campbell lançou o novo álbum – “In The 876″ — mas tentou mudar a lengalenga habitual da indústria musical. É que o cantor de reggae não anunciou a data do lançamento do CD e surpreendeu os fãs nas redes sociais com a novidade. E eles responderam: bastaram duas horas para o artista saltar para o primeiro lugar de vendas no iTunes em Portugal. Lá fora, chamam a esta estratégia “pulling a Beyonce”, graças ao sucesso que ela teve quando o fez em dezembro de 2013. O Observador foi vasculhar o que se fez lá fora e perguntou a Richie Campbell qual era a ideia.
https://twitter.com/RichieCampbell/status/595197725936857088
“Queríamos ter impacto imediato. Hoje em dia há tanta informação que depois se dilui. As pessoas já nem se lembram [da data de lançamento] passado tanto tempo. Assim há um efeito surpresa”, explica o cantor ao Observador. Uma rápida viagem ao mundo das redes sociais atesta a teoria. Simplificando, isto é mais ou menos como aquelas pessoas que, no carro, viram antes de meter o pisca. Para os fãs e mais fiéis adeptos, é isso mas ao contrário, porque o efeito é positivo. Por isso, mudemos a agulha e tentemos de outra forma. Isto é mais ou menos como dizer a um adepto do Benfica, FC Porto ou Sporting: “Desculpe senhor, sabemos que está ansioso para vencer a Liga, faltam alguns meses… mas decidimos que acaba hoje. É campeão, parabéns.”
Um artigo da revista The Fader, em março, já o declarava categoricamente: “R.I.P. Release Dates”, como quem diz “descansem em paz, datas de lançamento”. Beyonce pode ter ficado ligada a esta mudança de paradigma, merecendo até uma expressão para o identificar, mas outras bandas já o haviam feito antes, como Radiohead (“King of Limbs”, 2011), Frank Ocean (Channel Orange, 2012) e My Bloody Valentine (2013). Artistas como Björk, Drake e Kendrick Lamar fizeram-no recentemente. Obviamente que associado a esta atitude diferente está o risco, e nem todos o poderão fazer. Que o diga Britney Spears, que tentou um “pulling a Beyonce” e ninguém deu por nada, contou a Vice em abril.
“Temos deixado as pessoas na incógnita. Há algum risco”, garante Richie Campbell. “Ao longo das últimas semanas têm havido algumas pistas nas redes sociais, seja com uma hashtag ou uma fotografia. Há uns tempos, por exemplo, fiz um teaser em que meti a voz de uma rapariga com quem ia cantar. Era a Sara Tavares… Os fãs mais próximos e fiéis iam questionando sobre o que se passava.”
A ideia é, portanto, levantar o véu sem o levantar. Esta estratégia passa por criar dúvida, curiosidade, dando corda sobre o que se está a fazer sem se falar em concreto. Numa voltinha ao passado é possível verificar que o cantor mencionou em várias entrevistas que estava a gravar o novo álbum, mencionando a edição do CD na Jamaica e a participação de alguns artistas. Era vago, era estratégia.
Vamos por partes então. O que muda para os fãs? Talvez se sintam menos incluídos, ao não saberem em que data o seu ídolo vai lançar o novo disco. Mas esse sentimento, em teoria, acabará por ser engolido pela satisfação do imediato, pela surpresa e timing. É por aí que passa a estratégia. Durante a manhã desta segunda-feira, uma rapariga foi surpreendida com o anúncio do novo álbum e acabou por escrever no Twitter que estava a ouvir “In The 876” nas aulas. Não estaria, certamente, a contar com o que aconteceu depois: um puxão de orelhas do cantor – “Presta atenção! Ouves depois”.
https://twitter.com/RichieCampbell/status/595194013231259649
Mal comparado, toda esta nova dinâmica é quase como ser anunciado um dia de sol para um país que nunca, nunca o tem. A data esperada por todos era uma qualquer segunda-feira de agosto, mas ele acabaria por surgir em abril. Como seria a reação das pessoas? Comparar o sol com o lançamento de um álbum é aventureiro (e descabido), mas fica a ideia.
“As datas de lançamento ficaram para trás. Por isso, a surpresa será a surpresa”, disse Kanye West a uma rádio, aqui citado pela The Fader. “Já não me passo com datas de lançamento. Posso lançá-lo a meio da noite, como à meia-noite, sem razão nenhuma. É mais espontâneo, tem mais piada lançar [um CD] do nada.” Este é o outro lado da coisa, o do artista. O que muda? À primeira vista, elimina-se a angústia e aquele cego compromisso de cumprir com a data estipulada, ainda que haja um ou outro pormenor por finalizar. Assim só será anunciado quando estiver tudo pronto.
Depois, vem a promoção do álbum, que se divide em dois momentos: alguns meses antes do lançamento e depois do lançamento, normalmente com pequenas atuações, entrevistas e campanhas publicitárias. Desta forma elimina-se a primeira fase. É que a promoção chega a ser maçadora, sempre com as mesmas perguntas, sempre com as mesmas respostas. Com esta estratégia, não há conteúdo nem respostas em duplicado sobre o mesmo tema: faz-se uma vez e já depois de as pessoas terem ouvido o trabalho. Mais: há menos pressão, desaparece a angústia da espera e não se dilui o excitamento à volta do artista.
Isto é como tudo: cada um define para si o caminho apropriado, com mais ou menos risco. Barney Stinson, estrela da sitcom “How I Met Your Mother”, tinha uma teoria que dizia que “novo é sempre melhor”. Não é que ele tenha razão, mas estamos perante uma novidade. Será que esta tendência veio para ficar em Portugal?