Em 1976, uma das funções do Governo, segundo a Constituição recém aprovada era “corresponder aos objetivos da democracia e da construção do socialismo”. Atualmente, as metas do Executivo português alteraram-se bastante, restando na Lei Fundamental que o Governo “é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública”. Esta é uma das mudanças que ocorreu nos últimos 40 anos e que tornam a atual Constituição num documento muito diferente do original.

O Observador comparou o texto original aprovado pela Assembleia Constituinte em 1976 com o texto atual, cuja última revisão data de 2005, e encontrou diferenças que derivam não só da criação de novos órgãos de soberania como o Tribunal Constitucional em 1982 ou da adesão de Portugal a organizações internacionais como a União Europeia — e subsequente adesão ao euro –, mas também a erradicação de termos considerados ideológicos que constavam na redação original da Constituição e de ações políticas que marcaram a época.

No texto original da Constituição, há quatro menções ao socialismo nos artigos e seis menções ao termo socialista. Atualmente, excepto uma menção no preâmbulo, todas essas referências desapareceram. Outro artigo fruto da altura em que a Constituição foi elaborada é o que diz respeito às nacionalizações. Na redação de 1976, há um artigo dedicado às “nacionalizações efetuadas depois de 25 de Abril de 1974” que definia que as nacionalizações se tratavam de “conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras”. No atual texto constitucional, existe um artigo que define a “reprivatização de bens nacionalizados depois de 25 de abril de 1974”, onde se define que a reprivatização destes bens será feita “através de concurso público, oferta na bolsa de valores ou subscrição pública”.

O adeus (ou quase) ao socialismo na Constituição

Desde logo, no antigo artigo 2º da Constituição de 1976, definia-se o Estado democrático e transição para o socialismo, afirmando que a República tinha por “objetivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras”. A redação atual deste artigo define que a República visa “a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”. Outra menção ao socialismo que caiu desde 1976 prendia-se com a organização económico-social. Nessa altura, a organização económico-social da República Portuguesa assentava “no desenvolvimento das relações de produção socialistas”, enquanto que atualmente se prende com a “coexistência do setor público, do setor privado e do setor cooperativo e social de propriedade dos meios de produção”, entre outros pontos explicitados no artigo 80º.

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Já a importância do acesso ao ensino e a sua abertura a toda a gente eram justificadas como formas de “superar a sua função conservadora da divisão social do trabalho”. Atualmente, a garantia de “um ensino tendencialmente gratuito” dos níveis básico ao superior visa, entre outros pontos, “garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo” ou “garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística”.

Um dos artigos eliminados da atual Constituição, mas que estava presente no texto de 1976 prende-se exatamente com a investigação. A criação e investigação científicas mereceram em 1976 um artigo próprio em que se definia que estas áreas eram “incentivadas e protegidas pelo Estado”, tendo como principal finalidade “a progressiva libertação de dependências externas, no âmbito da cooperação e do intercâmbio com todos os povos”. Atualmente, a investigação está integrada no artigo 73º, que define os âmbitos da educação, cultura e ciência em Portugal, com direito a uma alínea: “A criação e a investigação científicas, bem como a inovação tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado, por forma a assegurar a respectiva liberdade e autonomia, o reforço da competitividade e a articulação entre as instituições científicas e as empresas”.

A economia em 1976 e agora

Uma das maiores diferenças entre o texto original e o texto atual reside nas opções económicas do país vertidas na Constituição. Em 1976, o plano económico, descrito no artigo 91º, apontava para “a construção de uma economia socialista, através de transformação das relações de produção e de acumulação capitalistas”. Atualmente, esse mesmo plano, tem como objetivo “promover o crescimento económico, o desenvolvimento harmonioso e integrado de sectores e regiões, a justa repartição individual e regional do produto nacional” — a redação de 1976 também incluía alguns destes pontos, mas relegava-os para a alínea 2.

No que diz respeito à iniciativa privada, a Constituição de 1976 já definia que esta poderia “exercer-se livremente” enquanto “instrumento do progresso colectivo”, mas previa que o Estado poderia “intervir na sua gestão para assegurar o interesse geral e os direitos dos trabalhadores, em termos a definir pela lei”. Na versão mais recente, este ponto foi eliminado. Um artigo completamente eliminado relativo à economia foi o artigo 109º que previa os preços e circuitos de distribuição, dispondo que “o Estado intervém na formação e no controlo dos preços, incumbindo-lhe racionalizar os circuitos de distribuição e eliminar os desnecessários“.

A Constituição ainda faz menção à PIDE

Do período revolucionário sobraram poucos artigos, tendo sido já retiradas da Lei Fundamental todas as indicações que diziam respeito ao Conselho de Revolução e às primeiras eleições que se realizariam a partir da Assembleia Constituinte, como as eleições legislativas, que se realizaram em 1976 ou as primeiras eleições presidenciais. Um artigo que se mantém até hoje desse período, fazendo menção a uma lei anterior à própria Constituição, é o que diz respeito à incriminação e julgamento dos agentes e responsáveis da PIDE/DGS. Aqui estabelece-se ainda hoje que as leis n.º 8/75, de 25 de Julho, n.º 16/75 de 23 de Dezembro e n.º 18/75, de 26 de Dezembro se mantêm em vigor.

A lei 8/75 aponta que a punição a aplicar aos responsáveis, funcionários e colaboradores das extintas Direcção-Geral de Segurança e Polícia Internacional e de Defesa do Estado é definida através de tribunal militar e que o procedimento criminal por estes factos “é imprescritível”.