Teve um dia, mais coisa, menos coisa, para preparar o que ia dizer quando todos os olhares e ouvidos estivessem focados em si. E tinha muito por onde pegar: nos sete atuais e antigos dirigentes da FIFA detidos por suspeitas de corrupção, nos alegados subornos de 135 milhões de euros que terão sido pagos, por exemplo, no Mundial de 2010, nas lavagens de dinheiro ou até nas próprias eleições presidenciais que Luís Figo vê como “um plebiscito de entrega de poder”. Mas não. Joseph Blatter apresentou-se na cerimónia inaugural do congresso da FIFA como o homem que não vai deixar que “as ações de uma minoria destruam a integridade de uma maioria que trabalha arduamente pelo futebol”.
O homem que lidera a FIFA desde 1998 e tem estado no leme da organização que, neste século, já enfrentou várias suspeitas de corrupção, sabe que está na mira de muita gente. “Sei que muitos me acham responsável por tudo, mas não consigo controlar toda a gente. Se as pessoas quiserem fazer coisas más, vão sempre tentar escondê-las”, disse Blatter, antes de reconhecer que “os acontecimentos de ontem [quinta-feira] deram uma sombra ao futebol”. Os tais que, reconheceu, fazem com que estes sejam “tempos de dificuldade sem precedentes”.
O discurso de Joseph Blatter, traduzido na íntegra:
“Os acontecimentos de ontem criaram uma sombra sobre o futebol e este congresso. Trazem vergonha e humilhação ao futebol e exigem uma mudança a todos nós. Não podemos deixar que a reputação da FIFA continue a ser arrastada na lama.
Sei que as pessoas me consideram responsável, [mas] não posso controlar toda a gente em todos os momentos. Se as pessoas querem fazer coisas más, também tentarão escondê-las.
O futebol não pode ser uma exceção à regra, essa é a nossa responsabilidade na FIFA, e vamos cooperar se alguém estiver envolvido em algum delito. Não pode haver lugar para qualquer tipo de corrupção.
Que este seja um ponto de viragem. Mais precisa de ser feito para garantir que toda a gente no futebol se comporta de forma responsável e ética.
O futebol merece muito mais e temos de responder. Amanhã [sexta-feira], no Congresso, vamos começar uma longa e difícil caminhada. Perdemos a confiança [das pessoas], ou pelo menos parte dela, e temos que a voltar a merecer através das decisões de tomamos.
Gostamos deste desporto… não pela ganância, para a exploração ou pelo poder, mas porque o adoramos. Solidariedade e união são necessárias no futebol, no mundo e na [obtenção da] paz.”
O discurso durou menos de cinco minutos. Joseph Blatter teve tempo para garantir que “a responsabilidade da FIFA é cooperar com todas as autoridades” de modo a “assegurar que todas as pessoas ligadas aos delitos sejam descobertas e punidas”. O suíço, de 79 anos, sublinhou que, na entidade, “não pode haver lugar para a corrupção”. Depois reconheceu que “os próximos meses não serão fáceis para a FIFA” e disse ter “a certeza” de que “mais notícias duras” vão aparecer.
Blatter, depois, admitiu que a FIFA “perdeu a confiança” das pessoas para, logo a seguir, indicar que “é necessário recuperá-la”. O presidente indicou até que na sexta-feira, dia em que se realizarão as eleições presidenciais da entidade, haverá “oportunidade” para se entrar no “longo caminho de reconstrução de confiança”.
Não é possível perceber se ocorreu antes de Joseph Blatter subir ao palco da cerimónia, ou se aconteceu depois de discursar, mas a Channel 4 News, uma estação televisiva britânica, abordou o presidente da FIFA. E fê-lo com esta questão: “Sr. Presidente, como está? Depois de todas estas alegações, não será seguramente altura de se demitir?” O suíço respondeu, mas disse apenas: “Como está?”
(Uma fotografia datada de 1982, quando Joseph Blatter ainda era apenas secretário-geral da FIFA.)