O ex-vice-presidente do PSD Paulo Mota Pinto considera que o projeto de lei do PSD/CDS que criminaliza o enriquecimento injustificado, aprovado na sexta-feira pelas bancadas da maioria no Parlamento, levanta “sérias reservas” de constitucionalidade e de “conveniência político-criminal”. Estas posições constam da declaração de voto assinada pelo deputado do PSD e ex-juiz do Tribunal Constitucional com a data de segunda-feira passada e à qual a agência Lusa teve acesso.

Na sua declaração de voto, o ex-dirigente social-democrata afirma mesmo discordar das mais recentes iniciativas para criminalizar o enriquecimento injustificado, antes designado de enriquecimento ilícito, “tenham como efeito a promoção da ética republicana, ou, sequer, a consolidação de instituições políticas fortes e respeitadas”.

Apesar destas objeções, Paulo Mota Pinto alega que votou favoravelmente o texto final que cria o tipo de crime de enriquecimento injustificado (que teve os votos contra de todas as bancadas da oposição) por ter entendido que não devia quebrar o compromisso assumido de respeitar o sentido de voto definido no Grupo Parlamentar do PSD.

“Mas não posso deixar de registar que, apesar dos esforços efetuados no debate e na apreciação na especialidade daquele projeto, o diploma aprovado me levanta ainda sérias reservas, quer no plano da sua conformidade constitucional, quer no da conveniência político-criminal”, refere o ex-membro da direção social-democrata liderada por Manuela Ferreira Leite (2008/2010).

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No que respeita às dúvidas de constitucionalidade, Paulo Mota Pinto sustenta que o texto aprovado suscita “o problema do respeito pelo princípio da necessidade, tendo em conta que se prevê um crime aplicável a qualquer pessoa, independentemente de ser funcionário ou titular de cargo público, e que consiste em ‘adquirir’, possuir ou deter património incompatível com os seus rendimentos e bens declarados ou que devam ser declarados”.

Neste ponto, o deputado do PSD aponta também que “acresce que a referida incriminação não incide sequer sobre ‘condutas’ (contrariamente ao que o legislador afirma), ou atos, mas sim sobre estados de coisas ou situações de facto – especialmente no caso da detenção ou posse de património”.

“Assim, desligadas do apuramento de factos ou comportamentos que tenham conduzido a esse estado de coisas, não parece que tais incriminações possam justificar-se. O Direito Penal só se legitima se punir factos ou condutas, imputáveis a uma pessoa, e não estados de coisas ou situações”, adverte na sua declaração de voto.

Para Paulo Mota Pinto, face ao anterior diploma sobre enriquecimento ilícito chumbado pelo Tribunal Constitucional, este novo diploma “não superou também as objeções de incompatibilidade com a presunção da inocência”.

“Tenho (…) sérias dúvidas de que o tipo de crime consagrado no texto final aprovado, que assenta na mera desconformidade do ativo patrimonial ou de ‘despesas’ com declarações de rendimentos, respeite o princípio da necessidade da lei penal, resultante do artigo 18.º da Constituição”, advoga ainda o professor universitário.