A maioria defendeu “a sua dama”, a oposição argumentou que a dama da maioria vai voltar a “bater com a cabeça na parede” do Tribunal Constitucional (TC). E que, se o TC vier mesmo a decretar a inconstitucionalidade do projeto de lei, a mensagem que chegará aos portugueses é de que “os senhores deputados fizeram de propósito”.

Depois de vários meses de discussão sem consensualização, PSD e CDS aprovaram em sede de especialidade a sua proposta de criminalização do enriquecimento injustificado, com votos contra de toda a oposição. E chumbaram em toda a linha as propostas do PS, BE e PCP, que encaravam o problema pela via fiscal de penalização. Resta agora saber qual será o veredito final do TC se o Presidente da República pedir a fiscalização preventiva do diploma, como já fez no passado.

O debate, que decorreu esta quarta-feira na comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais, foi menos aceso do que os restantes uma vez que já se previa o desfecho – que de resto foi logo confirmado pela deputada social-democrata Teresa Leal Coelho no início da reunião quando se debatia a metodologia de votação dos diplomas: “Vamos votar contra todos os artigos dos projetos da oposição”, disse, afirmando que as propostas da oposição, que procuram criminalizar a não entrega de uma nova declaração de rendimentos, “não são conciliáveis” com a proposta da maioria, que procura criminalizar a desproporção de património em si mesma.

Do lado da maioria, a deputada Teresa Leal Coelho mostrou-se convicta de que os princípios chumbados pelo TC em 2012 foram ultrapassados com o atual diploma, nomeadamente a questão da definição do bem jurídico a penalizar e o princípio da presunção de inocência, e deixou claro que PSD e CDS tinham escolhido um caminho e não iam abdicar dele. “Vamos manter a defesa da nossa dama”, disse.

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“Houve quem dissesse sempre, desde o princípio, que não era possível criar o crime de enriquecimento ilícito porque chocaria sempre com a Constituição, e por isso decidiram fazer agora um percurso ao lado, pela via fiscal. Mas nós não, nós entendemos que era possível e decidimos que íamos procurar responder às dúvidas constitucionais e tentar uma solução que continuasse pela via penal. E estamos convictos de que conseguimos”, sintetizou o deputado centrista Telmo Correia, depois de admitir que também o CDS ponderou um caminho alternativo antes de optar por ficar na mesma via.

Não foi, no entanto, esse o entender dos partidos da oposição, que votaram contra o projeto integral da maioria PSD/CDS por entenderem, com unanimidade, que continua a violar princípios constitucionais. O mais acérrimo defensor desta tese foi o deputado socialista Jorge Lacão, que já em 2011 tinha votado contra a tentativa da maioria de criminalizar o enriquecimento ilícito, e que voltou a dizer que, desta vez, o que se passou foi “uma demonstração clara da parte dos partidos da maioria daquilo que foi apenas mais uma vez uma manobra de diversão.

“A solução apresentada pelo PSD/CDS não vai ter futuro na nossa ordem jurídica”, sublinhou o deputado socialista.

Jorge Lacão sublinhou que o PS se empenhou em “reforçar a transparência dos que ocupam os titulares de cargos políticos”, nomeadamente ao propor que a declaração de património e rendimentos abrangesse os altos cargos das administrações públicas, ou ao propor a criação de um registo que permitisse maior transparência junto do Tribunal Constitucional, ou a atribuição da competência à administração fiscal para averiguar as desconformidades de património, mas que o PSD e o CDS rejeitaram todas essas propostas.

Já antes, o PCP e o BE, que há três anos estiveram ao lado da maioria na votação da proposta, tinham dito que o destino do projeto de lei era certo: o chumbo do TC.

“O projeto da maioria tem a lógica de bater com a cabeça nas paredes”, disse o deputado comunista António Filipe, acrescentando que a maioria estava a insistir numa “ladainha” que só “inquinava novamente o processo legislativo”, transmitindo uma mensagem clara aos portugueses: “Aquilo que os cidadãos vão dizer [quando o TC voltar a chumbar o diploma] é que os senhores fizeram de propósito”. E o deputado bloquista Luís Fazenda deixou a machadada final: “Será um ato falhado e, consequentemente, um ato a mais para a desconfiança dos cidadãos nas nossas instituições”.

Os projetos da oposição foram todos chumbados, tendo obtido apenas os votos favoráveis dos próprios. Um dos projetos do Bloco de Esquerda, sobre reforço da transparência dos titulares de cargos políticos, foi rejeitado com os votos contra de PSD, CDS e PS e a abstenção do PCP, enquanto o segundo diploma dos bloquistas, por prever a criação de uma Entidade da Transparência teve o voto contra do PCP. O projeto de lei do PCP foi chumbado pela maioria e PS, mas teve a abstenção do Bloco de Esquerda. Já o projeto de lei do PS, que o deputado Jorge Lacão fez questão de que fosse votado artigo a artigo, mereceu a abstenção do PCP e BE.

Depois da aprovação na especialidade, o projeto de lei agora chamado de “enriquecimento injustificado” segue para o plenário do Parlamento para aprovação final global e vai depois parar às mãos do Presidente da República para promulgação. Mas antes disso, o caminho mais provável é que Cavaco Silva remeta o documento para fiscalização preventiva do TC, à semelhança do que fez em 2012, deixando o assunto nas mãos dos juízes do Ratton, que dará o veredito final. Afinal, criminalizar o enriquecimento injustificado é ou não conforme a Constituição?