Os corvos são excelentes observadores e sabem contar. Estas são as conclusões do estudo publicado há quatro dias por investigadores de uma universidade alemã. Os cientistas descobriram neurónios especializados no cérebro dos corvos que os tornam capazes de exprimir a quantidade de pontos que observam.
Para os Counting Crows esta informação deve ser pouco relevante. O nome já é antigo e surgiu por acaso quando Adam Duritz ouviu a rima de “One for Sorrow”, uma lenga-lenga infantil de tradição britânica ligada a superstições relacionadas com corvos. O vocalista passou a apresentar assim o duo acústico que formava com o guitarrista David Bryson em 1991. Novos músicos foram integrando o coletivo mas o título ficou. Agora são sete elementos, tantos quantos os álbuns de estúdio editados desde 1993, o ano da estreia com o icónico “August and Everything After”. O segundo “Recovering the Satellites” foi editado em 1996. Os dois permaneceram como os melhores álbuns do grupo, duas crónicas de amor e saudade.
Tudo o que veio a seguir parecia desfocado. Até setembro do ano passado, quando saiu “Somewhere Under Wonderland”. O álbum marca o reencontro com as raízes sonoras da banda e vai ser apresentado ao vivo em Lisboa a 11 de julho, na última noite do NOS Alive 2015. O alinhamento deverá incluir também as músicas emblemáticas do catálogo, à semelhança do que aconteceu em Paredes de Coura, onde atuaram em 2002.
Os Counting Crows conseguiram voltar a compor canções cativantes para o ouvido. Em parte graças à alma dorida do vocalista e compositor que já tem 50 anos. Funcionam como uma espécie de postais ilustrados, com memórias de romance e desventura, de paisagens e dias passados. Eis uma boa amostra no tema de apresentação “Palisades Park”:
A música faz lembrar “Mrs. Potter’s Lullaby” (2000) escrita para a atriz Monica Potter. Mais uma celebridade ex-namorada do cantor, a juntar à lista onde figuram Jennifer Aniston e Courteney Cox, na altura em que ambas faziam parte do elenco da série “Friends”. O caso deu larga estampa na imprensa tabloide. Talvez tenham sido as musas inspiradoras do hit “American Girls” uma cantiga pop de verão, alegre e leve, porventura distante do registo mais denso, característico da banda. Com a participação especial de Sheryl Crow foi o primeiro single de “Hard Candy” e é uma daquelas músicas para escutar no descapotável, de óculos escuros e cabelos ao vento, numa estrada junto ao mar.
Porventura a canção mais popular da banda, “Mr. Jones” foi escrita em homenagem ao baixista Marty Jones, amigo de infância de Duritz. Fala dos sonhos e fantasias de dois músicos que sonham ser famosos. “Mr. Jones and me, we’re gonna be big stars…” ecoa do período em que ambos alinhavam nos The Himalayans, antes de 1991. Em dezembro de 1993 o vídeo chegou à MTV e tornou-se um sucesso inesperado. “Mr. Jones” conquistou uma presença massiva nas rádios e até nas discotecas, onde foram surgindo progressivamente versões mais “dançáveis” do tema que lançou a banda para o estrelato.
Dono de uma personalidade depressiva, Duritz sofre de síndrome de solipsismo. É um transtorno associado a indivíduos que passam longos períodos no espaço ou vivem isolados. O distúrbio que provoca os fracassos conhecidos na sua vida pessoal é eventualmente o catalisador para a escrita de canções emocionalmente tão profundas como “Round Here”, “A Long December” ou a mais recente balada “Possibility Days”.
“Somewhere Under Wonderland” é o primeiro álbum de originais em seis anos e marca também o regresso a uma grande editora, a Capitol Records, depois da rutura com a Geffen onde estiveram durante 16 anos. A relação com a subsidiária da Universal foi-se deteriorando à medida que a banda tentava explorar novos formatos e fazer lançamentos nos meios digitais. Duritz disse numa entrevista que as grandes editoras não estão preparadas para a mudança nas formas de consumir música. Em diversas ocasiões o artista chegou mesmo a denunciar o esquema conhecido como “payola” (as grandes editoras pagam somas consideráveis de dinheiro para ver a sua música promovida com mais intensidade na rádio e nas lojas). Após a saída da Geffen, a banda criou um site para distribuir a sua música onde também vende as gravações dos espetáculos ao vivo.
Muitos vão poder matar saudades, outros terão oportunidade para descobrir um dos nomes mais importantes da cena rock californiana da década de 1990, herdeiros do estilo AOR (Adult Oriented Rock) como eram classificados na época. “God of Ocean Tides”, “Scarecrow” e “Earthquake Driver” são apenas alguns dos temas do novo “Somewhere Under Wonderland” que vamos poder escutar ao vivo na última noite do NOS Alive, a 11 de julho, no Passeio Marítimo de Algés. Além de muito público no recinto, o espetáculo dos Counting Crows promete atrair anjos e satélites aos céus da Grande Lisboa.