Há dez anos, Lisboa enchia-se de dezenas de milhares de pessoas para o último adeus a Álvaro Cunhal, o histórico líder comunista. O conimbricense, que cedo se mudou para para Lisboa, onde viria a dar os primeiros passos na luta contra o regime de António Oliveira Salazar, morreu a 13 de junho de 2005, aos 91 anos.

Ex-ministro sem pasta em vários governos provisórios, Cunhal filiou-se no PCP em 1931, no mesmo ano em que ingressara na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. A primeira prisão, às mãos da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) – antecessora da PIDE – aconteceria apenas seis anos depois, altura em que o comunista. Três anos depois, em 1940, nova detenção. Na prisão, Cunhal prepara e conclui a sua tese sobre o aborto. Escoltado pelo polícia até à Faculdade de Direito, o comunista viria a passar com distinção, com Marcello Caetano entre os membros do júri.

Depois de deixar a prisão, Cunhal foi obrigado a viver na clandestinidade e sob vários nomes falsos. Acabaria por ser preso mais uma vez (a terceira e última) em 1949. Foi transferido para a prisão de alta segurança de Peniche, de onde fugiria em 1960, juntamente com vários outros altos quatros do partido, numa fuga que envolveu a cumplicidade de um dos guardas.

Um ano depois Cunhal partiria para o exílio de onde só regressaria a 30 de abril de 1974, cinco dias depois da Revolução. Quando chega, é recebido por uma multidão em apoteose no aeroporto da Portela. Já em Lisboa, Álvaro, e não “Duarte”, “Daniel” ou “António”, pseudónimos que usou durante os anos do Estado Novo, discursa em cima de um tanque, num dos momentos mais simbólicos dos primeiros dias da Revolução. “Cunhal entre um soldado e um marinheiro, em cima de um tanque lembrava Lenine, no seu regresso”, escreveria anos mais tarde Mário Soares no ensaio “Um Político Assume-se”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mário Soares e Cunhal estariam juntos no 1º de maio desse ano, mas não tardariam a tornar-se ferozes adversários. Nos meses quentes do Processo Revolucionário em Curso (PREC), quando o PCP de Cunhal tentou fazer de Portugal uma “república popular”, sem democracia, Soares lideraria a oposição a esse projeto, que só terminaria, com a vitória das forças democráticas, a 25 de novembro de 1975. Para a história, ficou o célebre debate entre os dois, transmitido pela RTP a escassas duas semanas desse momento que encerrou o processo revolucionário.

As eleições legislativas de 1976, onde o PS de Mário Soares repetiu a vitória que tivera um ano antes nas eleições para a Constituinte, acabaram por confirmar que, nas urnas, os portugueses preferiram seguir um caminho bem diferente do proposto pelo PCP – os comunistas foram a quarta força mais votada, atrás de PS, PPD e CDS.

Cunhal deixaria a liderança do partido em 1992, depois de 31 anos como secretário-geral do PCP. Morreria 13 anos depois, em 2005, já bastante debilitado. No dia da morte de Cunhal, Mário Soares escreveria: “Cunhal morreu igual a si próprio. Ainda bem que assim foi. Apesar de tudo, não posso impedir-me de sentir uma enorme tristeza. Era um homem de aço, de antes quebrar que torcer. Valente, de convicções inabaláveis, pessoalmente desinteressado até ao sacrifício, fiel aos seus ideais de sempre, que nunca quis compreender o célebre verso de Camões ‘Mudam-se os tempos mudam-se as vontades/o mundo é feito de mudança’. Ele nunca mudou”.

Dezenas de milhares de pessoas acompanharam o cortejo fúnebre, durante mais de duas horas, até ao cemitério do Alto de São João. Foi a última homenagem dos comunistas ao seu histórico líder.